Francis Bb Kaliferus (1929-2016)

Quando em 1979 Francis Blackbird Kaliferus decidiu finalmente arrancar com a sua teoria da incerteza ninguém lhe deu especial importância. Tratava-se dum raciocínio que nem parecia possuir o músculo esmagador da corrente nem a força libertária da contracorrente, ou seja, era, resumindo, um não-alinhadismo de aspecto frágil, rudimentar e muitas vezes soundbytico e circularmente contraditório. Francis dizia, em síntese, que havia uma grande dose de incerteza nas incertezas e que portanto o melhor era dar o certo como certo. Quando confrontado com a clássica questão de 'como reconhecer uma certeza' , respondia com a sua frase célebre: 'quando começarem a ter pena de nós estaremos à beira dela'. Algumas vezes rotulado de paniquista (leia-se um 'optimista do pânico') ou outras vezes, jocosamente, de 'melro-das-lamentações', Francis nunca desarmou da sua teoria em que ia debicando o confronto entre a certeza e a incerteza, abordando a realidade como quem bebe coca-cola tirando-lhe primeiro o gás.

Numa conferência que proferiu em Colónia no ano de 1992, Francis enfrentou a assistência do centro de congressos da Koelnmesse com a seguinte ideia chave: 'dêem-me uma incerteza em condições e eu dar-vos-ei uma previsibilidade'; ou seja, a chave de toda a certeza era ela basear-se num conjunto instável de medos em relação a ela, uma alienação aprés-la-lettre, «a-certar é mijar dentro do pânico» era a sua frase de ruptura filosófica, que introduzia conceitos como 'a-certar' (conjunto de acções que visam fazer confluir todas as energias num conceito semi auto-referencial-semi-aleatório), 'mijar dentro de' (expressão que, mesmo com algumas cotações brejeiras, queria significar alívio dirigido como forma de criação) e 'pânico' (que, no quadro analítico de FBbK representava a sublimação do 'húmus da certeza').

 Foi inclusivamente descoberto há poucos meses um documento (desenho-nota) no museu do neo-realismo, que se pensava ser uma mensagem de Saramago a uma das personagens que lhe teria inspirado o romance 'Levantado do chão' mas que se veio a confirmar fazer parte das notas de Francis Kaliferus nessa célebre comunicação de Colónia, onde era realçada a base do seu pensamento.


Ficou também famosa a controvérsia entre Francis BbK e Cecil von Kastrafiore (um austríaco de ascendência italiana, que defendia a teoria 'suspensiva da história', uma espécie de ultra-circularismo) que foi levada ao rubro quando à afirmação de Kastrafiore em Berlim (Março de 1995) «em cada momento vive-se o momento anterior, a história está sempre parada», Francis responde desde Alhos Vedros (onde tinha uma moradia com um jardim de laranjeiras e duas cerejeiras e passava todas as Páscoas): «a certeza é uma incerteza que se apaixonou por nós». Nota curiosa é que Francis e Cecil acabaram grandes amigos e escreveram em conjunto o opúsculo intitulado 'Creches & crashs' onde pretendiam definir uma linha de previsibilidade entre as primeiras sopinhas de letras e a tendência para a bandalheira desregulacionista neoliberal.

Francis Bb Kaliferus gostava de dizer que queria fazer - ou retornar a - um Bretton Woods filosófico, ou seja a uma explicação da realidade com a incerteza-padrão. Para Mr BlackBird, como era conhecido na comunidade filosófica dos sanatórios do Caramulo, haveria que criar uma base de referência para a incerteza no mundo por forma a que as certezas aí se pudessem fundamentar e inclusivamente germinar. Tornou-se um clássico o seu exemplo neoclássico (coisas que acontecem) do 'terceiro incluído': se num ambiente onde se digladiam dois especuladores for introduzido um elemento conservador e desenvolvimentista, este ficará como especulador único e os outros dois como meros resíduos de incerteza, anulados na sua hooligânica coligação. A humanidade, segundo FBbK, incapaz de resolver os problemas da incerteza moral sem a ajuda de fogueiras ou gazes tóxicos, foi incorporando uma certa certeza tecnológica (um 'terceiro incluído') que se apossou das mais-valias até se transformar ela própria na sierra madre da volativismo. Não se tratava dum reflexo do mero progressivismo iluminista, como alguns lhe vieram a chamar, mas sim no tal «a-certar o passo» da teoria de Bbkaliferus. «O ser humano é essencialmente um picuinhas» foi das suas últimas frases lapidares.

3 comentários:

maria disse...

está explicado...picasso!

aj disse...

quem não tem figos caça com rabiscos :)

Anónimo disse...

Que saudades eu tinha deste nonsense...

C.