Malva parviflora

Pernamoah Ryan depois de ter falhado o penalty recolheu-se em oração tentando perceber qual a razão que fez os deuses abandonarem o grande povo africano mesmo que fosse frente à nação que enverga o azul celeste nas camisolas.

Como se dessa ligação ao divino apenas lhe resultasse incompreensão e mesmo revolta decidiu pôr-se nas mãos do grande mago dos falhanços, o penaltopsiquiatra Jeremy Lakerberg, um dinamarquês que tinha ficado famoso por ajudar jogadores de futebol (aquela modalidade temporariamente praticada por alguns jogadores do sporting) a superarem a grande fasquia do fracasso, fosse ele motivado por uma barra, um chuto na relva, na atmosfera, uma hipermetropia súbita, um complexo de édiposte, ou mesmo por uma paragem de digestão no momento do remate.

Jeremy Lakerberg tinha desenvolvido em 1995 uma famosa caracteriologia dos falhanços - o seu primeiro paciente fora Roberto Baggio depois do falhanço no mundial de 94 (já com o seu famoso rabicho de cavalo) - na qual de destacavam 4 tipos: o 'artolas', o 'meiguinho', o 'rinoceronte' e, finalmente, o 'simplesmente estúpido'. Mas quando P. Ryan lhe aparece no seu consultório em Lyon, o Dr. Lakerberg compreende imediatamente estar na presença dum caso especial. Ryan balbuciava algo de incompreensível - regra geral os pacientes diziam 3 vezes 'foda-se' antes de conseguirem construir a 1ª frase, mas Mr. Pernamoah parecia pertencer a uma galáxia diferente: fazia sentir todo o mundo culpado pelo seu falhanço.

Se 'o artolas' se caracterizava por má organização dos estímulos de confiança, se 'o meiguinho' pontificava por má organização da relação de confronto com os guarda-redes, se 'o rinoceronte' revelava uma má definição das suas energias, e se 'o simplesmente estúpido', como o nome indica, era simplesmente estúpido (Jeremy chegou a pensar catalogar este tipo como 'postiguite' mas recuou por pressões do pomar de maçãs de alvalade), Pernamoah Ryan revelava um abrangência de sintomas tão fascinante quanto inquietante e inqualificável. O mais parecido que Dr Lakerberg tinha observado era Gaspar Kubrick, o extremo esquerdo dum clube checo que falhara sete penalties sucessivos contra um guarda-redes gay do Sri-lanka e que estava convencido que este era uma encarnação de satanás, mesmo falando um bocadinho à sopinha de massa dizendo: «eu sou apenas um guáda gaydes».

Nas sessões que se seguiram à inaugural, P. Ryan apresentou-se alheado, chegando a dizer que via constantemente uma barra em tudo que o rodeava, inclusive quando fazia o seu chichizito, o que, forçosamente, o levava a baixar o jacto e atirar directamente para as calças. Depois de, assim, ter estampado de cornucópias amareladas todo o seu guarda roupa Pernamoah recolheu-se a uma cama barbitúrica que o fez parecer um chefe de tribo em transe, sonhando com Suarez, com o el Loco, com Oscar Cardoso, com a Srª de Guadalupe, e com Louise Gyenoah, uma miúda que também já tinha encostado a um poste mas por boas e alavancadas razões.

Ora o famoso penaltopsiquiatra Dr. Lakerberg já estava praticamente convencido que Ryan afinal se tratava do caso dum 'meiguinho' reprimido, quando este se apresentou no consultório afirmando: eu fiquei com a compulsão da barra, agora sou incapaz de rematar sem estar a apontar para a barra, é mais forte que eu, muitas vezes levanto-me de noite e vou brincar com um rolo de papel higiénico de folha dupla (até lhe chamo o javardulani) contra o varão do duche. Falhar já não é o meu problema, quando marco golo é que fico sem dormir 3 noites. Desde que Lakerberg tinha tratado do síndrome do losango em alvalade (os jogadores da lagartada sonhavam com Paulo Bento a obrigá-los a sessões de atravessar a 2ª circular com papagaios de papel) que não via nada tão estranho. O penalty é um momento de sublimação, um momento de transformação de complexos, é, como ele dizia nas suas sessões: «uma dobradiça de pandora», um auxiliar para ajudar a espreitar o nosso interior mais matreiro e obscuro; por isso, falhar um penalty decisivo e na última jogada dum desafio era um climax do penaltopsiquismo que não podia ser compatível com oscilações ou incongruências de diagnóstico.

Pernamoah Ryan acabou por descobrir que padecia duma barrofilia, e depois de dois meses de tratamentos bem sucedidos numa clínica para obsessões com corrimões, cancelas, alteres & varões (estas sessões eram muito procuradas inclusive por penetras) decidiu mudar de vida e hoje é jardineiro no pomar de alvalade onde recolhe nêsperas ligeiramente tocadas e vende-as para equipas à procura de salada de frutas.

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