Simon Werstein era emissário do BCE em troikas e quadrigas
várias pela europa fora havia mais de 5 anos. Já estava habituado a esta vida
de itinerância e quando casou com Gloria Fuentes, uma mexicana hospedeira da
Lufhtansa não se pode dizer que a escolha fosse apenas ditada pelo amor e pelo
seu, dela, belo par de pernas e outros apetrechos arredondados ao qual
acresciam umas bochechinhas desenhadas por tintoretto numa tarde em que tinha
sido soprado pelos querubins do pincel e pelas potestades do carvão.
Naquele dia tinham dormido ambos num hotel em Lisboa, ela
fazia escala para Buenos Aires e ele tinha várias reuniões com aquilo que se
costuma chamar representantes das autoridades financeiras portuguesas. Enquanto
Simon fazia a barba, Gloria já estava na fase final do aperaltamento e ele
evitava olhar para gloria et ses jambes
para que não desse cabo daquela extraordinária parte do corpo humano que se
chama pescoço com um movimento de lâmina mais descuidado. Simon concentrava-se
assim nos rácios que lhe iriam tomar conta do dia, mas passava-lhe igualmente
pela imaginação o último olhar cândido que Mariana, uma auditora interna dum
banco com tendência para a depressão, lhe tinha endereçado na véspera, sem
contar com a antevéspera, e inclusivamente outras vésperas atrás, basicamente
não havia véspera em que ela não tivesse olhado fixa e apelativamente para ele,
quase como se ele fosse uma espécie de spread com pernas e ela uma lobista de
pestana.
Gloria de nada se dava conta e já devia estar a entrar com
as ancas no cockpit quando Simon dava os últimos retoques na gravata sonhando
ora com os olhos melancólicos e cavados de Mariana, ora com uma puta duma soma
que não havia maneira de lhe bater certa há mais de uma semana. Os dramas dos
emissários são as somas pois com as parcelas eles convivem bem.
Simon era um exímio avaliador de países e era-lhe
reconhecido o seu talento por todos. Bastava-lhe uma análise rápida ao
movimento de 2 ou 3 indicadores, somado a uma pergunta indiscreta e um dedo
colocado bem no centro da virilha de um secretário de estado em vulnerabilidade
e fotografava um país sem instagrames. Passava despercebido, almoçava sempre
sozinho e lia sempre ao fim da tarde umas páginas dos salmos, algo que
aparentemente lhe dava energia para as noitadas que se seguiriam, fossem elas mais
com as elevações de glória ou com as fossas de mariana.
Sabendo que carregava consigo uma responsabilidade para a
qual ninguém está preparado Simon sentia-se quase uma personagem bíblica passeando
na estrada de damasco aguardando visões que o esclarecessem. A ninguém contava
estas suas angustias senão a Riana Semedo, recepcionista do hotel onde
costumava ficar, que assim se foi tornando numa cassandra da nação, mulher
imune a influências e dotada daquela sabedoria de balcão que tudo ouve, tudo
cala, tudo compreende e tudo insinua. Afinal a nação não está nas mãos de uma
hospedeira de pernas afiadas, nem no olhar deprimido de uma auditora, mas sim
nas boquinhas da Riana da recepção.