Dai-me uma liberalidade e levantarei o mundo


Algum, temporário, abrandamento de qualidade no futebol dos lagartos fez-me virar a atenção para o relato da comissão parlamentar do bes. O stock de tremoços leva mais tempo a baixar mas a cerveja corre com a mesma velocidade. Nesta fase do campeonato o marcador mostra no topo da classificação Sobrinho e Mortágua. Na luta para a despromoção, e responsáveis pelo uso intercalar do pistacho, aparece a chamada ‘família’ , taco a taco com os ‘reguladores’, eu diria até que o desempate se vai fazer pelo saldo combinado de liberalidades & colaterais. A meio da tabela aparecem uns tipos de apelido banal mas com uso criterioso de botões de punho pelo que vão acabar por fazer uma temporada calma, inclusive já me babei duas vezes para cima da tigela de cajus tal a sonolência provocada pelos ring fencing’s e o caralho. Espero que a época de contratações de Janeiro traga algumas movimentações no mercado, mesmo que se tenha de ir buscar alguns deputados às off shores, e obviamente a segunda volta de audições, já com umas azeitonas que deixei encomendadas na mercearia, vai garantir-me uns serões bem passados, correndo o risco de subir um número nas calças e o aparecimento dumas putas dumas borbulhas na testa. Borbulhas apenas, repito.

Cirque du sommeil


Adormeci a pensar que detesto comer. Detesto inclusivamente aquela paneleirice do sabor, do empratamento, da novidade, da experimentação. Da comida que nos fazia a nossa avozinha! Quero lá saber do que me fazia a minha avozinha. Até sentir fome me traz desconforto, irritação. E depois de comer: nenhuma memória, apenas enfartamento. Japoneses, Tailandeses, fusões, michelins, só resta fastio: puta que os pariu. Acredito na comida apenas como fonte de negócio, aproveitando as fraquezas humanas: a vaidade, a necessidade de afirmação social, a necessidade de companhia. Viro-me na cama. São três da manhã e sou apenas uma concha de espinafres com sésamo ao lado de um bocado de enzimas em repouso que é a minha mulher.  Valeram as anedotas, apenas as boas anedotas salvam a comida que as acompanha. Detesto contar anedotas, adoro ouvir. Absurdas, repetidas, básicas, exuberantemente ordinárias como aquele vison que às mãos do casado de fresco lhe pareceu tudo cona. Alguma ventresca de atum vale um vison apalpado que nem cona? Assim não consigo dormir. Tinham posto à prova a minha lendária (auto-apregoada, leia-se) capacidade de aguentar o sarcasmo. Vacilei.  O vinho também não me ajuda. É impossível porem-me a falar muito com álcool. Fico parecido com o cabrão do kierkegaard e à sobremesa já todos querem que eu lhes informe quando vai ser o fim do mundo. Mas eu digo-lhes que o fim do mundo não interessa nem ao menino Jesus. Afinal é Natal. Cinco da manhã e é quase Natal. O primeiro Natal sem a minha Mãe. Não me lembro de nenhum prato feito pela minha Mãe. Abençoada por me fazer lutar pela sua memória todos os dias; e noites.

O Divã Disto Tudo V


Back to basics: o país está suspenso do contabilista e do motorista.  Depois de termos concluído sofrermos da famosa esclerose de elites, aprofundámos o tema e verificámos que afinal as elites estavam penduradas na competência duma classe intermédia que, numa revisão marxista, em vez de se revoltar vai agora lixar os patrões.

Hoje, o futuro do orgulho nacional está nas mãos da menina das fotocópias, cada país tem o snowden que merece.

Em primeira mão, aqui, a acta da audiência secreta no Parlamento, com a menina Dulce:

Senhor Deputado – diga-nos menina Dulce, era a responsável pelas fotocópias?

Menina Dulce – ora, chamavam-lhe a máquina de fazer offshores ….

Senhor Deputado – acha que abusavam das offshores?

Menina Dulce – não, os patrões eram muito respeitadores

Senhor Deputado – respeitadores da lei?

Menina Dulce – disso não sei, mas sei que gostavam de manter as aparências e por isso nos in-shore era tudo como manda a etiqueta e os bons costumes

Senhor Deputado – então quer dizer que era tudo apenas para regulador ver?

Menina Dulce – bem, os meninos do banco de Portugal também eram muito respeitadores…

Senhor Deputado – respeitadores como? A função deles era supervisionar!?

Menina Dulce – sim, mas supervisionavam sempre com muito respeito, nada de espreitar pelas fechaduras, nem andar a fazer brincadeiras debaixo das mesas

Senhor Deputado – Então acha que andava alguma coisa escondida debaixo da mesa

Menina Dulce – Ai sr deputado não me faça corar….

Senhor Deputado – não tem que ter vergonha de nada, aqui está a prestar um serviço à Democracia e ao Parlamento!

Menina Dulce – credo, também não me pagam para essas menages triplas! Quem faz disso é a minha colega do economato!

Senhor Deputado – Também virá cá depor, mas para já precisamos de saber o que lhe passou pelas mãos, menina Dulce

Menina Dulce – julgo que isso está protegido pelo segredo vaginal…

Senhor Deputado – alguma coisa nos poderá contar… uma mulher não é só vagina

Menina Dulce – sim, claro, eu às quartas feiras tirava fotocópias para a contabilidade

Senhor Deputado – para a contabilidade?

Menina Dulce – eles diziam que eu tinha jeito para fazer os buracos render

Senhor Deputado – a senhora também já tinha ouvido falar dos buracos nas contas?!

Menina Dulce – O sr Abílio da contabilidade dizia-me que só com o meu balancete conseguia inspirar-se para os estornos que tinha de fazer de madrugada

Senhor Deputado – então o contabilista fazia horas extra pela noite dentro?

Menina Dulce – nem queira saber o que eu tive de inspirar aquele homem

Senhor deputado – Então a senhora acha que também foi responsável pelo estado artístico das contas ?

Menina Dulce – Claro meu querido, e se tu quiseres, como devo ir para o desemprego, a ti faço-te uma revisão constitucional completa pelo preço duma portaria

Era Rodrigo não querido por Sofia que não o queria


Podia ser desilusão, ou frustração, ou engano, despeito até, ou desespero, ou raiva, mera irritação, mas nenhuma destas explicações cobria os seus reais sentimentos. Rodrigo não sabia o que fazer com o que sentia depois de tantos anos para descobrir que afinal Sofia não o queria. Era um botânico afamado, tinha revelado ao mundo muitas novas espécies, aromas, cores, até havia uma forma geométrica que se tinha apropriado do seu nome, o rodriguezio, duma pétala de cinco lados rectos e quatro curvos que ele tinha encontrado numa planta moçambicana, até aí desconhecida, e quase parecia uma pétala que se podia vestir, nuns dias armadura, noutros dias corpete.

Fechou-se na sua estufa e procurou a resposta naqueles seres que, mesmo fustigados pelas intempéries, sabiam adaptar-se às circunstâncias, mais ou menos clorofila, mais ou menos polinização, mais ou menos enxerto.

Certamente as flores seriam capazes de lhe dar a resposta. Pegou no exemplar de malmequer mais antigo que tinha e pediu-lhe para se transformar em apenas não-me-quer. Regou-o, mudou de terra, testou vários fertilizantes, diferentes tempos e ângulos de exposição ao sol, níveis de humidade, e rezou ao tempo, o deus das flores.

Algumas semanas depois Rodrigo tinha a flor que lhe mostrava o não-me-quer de Sofia. Umas pétalas brilhantes dum lado e baças de outro, numas zonas enroladas para dentro, afastando-o, noutras com um recorte laminado, ameaçando fatiá-lo em postas se lhe pusesse as mãos sem perguntar primeiro. Olhou para elas com cuidado, procurando os segredos do não-querer e tentando descobrir como lidar com eles. Pegou em cada uma das pétalas com um cuidado dessexuado mas lúbrico, depositou-as em cima dum papel de branco lunar e apontou-lhes uma luz arroxeada, pascal, plena de intensidade curiosa e fatal como só a luz religiosa consegue ter.

E viu então o não-te-quero de Sofia. Ali explicado tim-tim por tim-tim, numa eloquência vegetal, imóvel como uma metafisica medieval: faltava a Rodrigo substância para atrair Sofia, todo ele era forma, estilo, simples desconteúdo, todo ele era um apenas apenas, um insuficiente.

Já não precisava de se sentir nem desiludido, nem irritado, nem frustrado, nem enganado, nem abandonado, nem sequer havia receio de ser mal parecido, bastava sentir-se desaparecido.

Grasshopers & Honey


Antes de Salomé lhe ter tricotado o pescoço, João Baptista (como relembra o evangelho de hoje) levava um cinto de cabedal à volta dos rins. João Baptista é (talvez) o maior exemplo da literatura do amor ao (e da concentração no) essencial. É um exemplo fodido para qualquer aprendiz de imitação de Cristo (e mesmo para qualquer aprendiz do que quer que seja) mas, diga-se, sem o acessório o que seria de nós? Até Jesus precisou duma cruz, e do pão, e do vinho.

Nas relações humanas é igual, se cingirmos muito os rins um dia qualquer alguém nos põe a cabeça - com ou sem apêndices - numa travessa, ou os tomates de molho; que São João Baptista me perdoe.

Juntos Fodemos


Atrelado ao espanhol Podemos parece estar a nascer cá na paróquia um Juntos Podemos. Tive esperança que a similitude com o fodemos já tivesse sido devidamente explorada e pesquisei tendo confirmado a inexistência das devidas analogias.

(nota doméstica interna: se for descoberto no Google um histórico de pesquisas em ‘juntos fodemos’ dever-se-á a esta curiosidade sociológica e não a qualquer tentativa de encontrar parceira disponível para descobrir os insondáveis e húmidos mistérios da esquerda moderna)

Retomando então aquilo a que optimisticamente se poderá chamar de raciocínio. A ideia de juntos fodemos baseia-se na capacidade natural do homem de fazer amizades. Parece-me mais fecundo e elevado fodermos em conjunto do que podermos em conjunto. Reparemos que se para poder basta querer, já para foder o querer não é suficiente o que indica, assim, algo mais elevado, algo mais construído e, portanto, humano, por assim dizer.

A esquerda não se deve pois contentar em poder junto mas antes foder em conjunto. Os ideais de esquerda fundamentam-se num acesso ao ideal de igualdade que apenas conseguem enunciar e jamais praticar, daí que o podemos soe imediatamente a falso, soe novamente a uma espécie de bastilha elástica (é trocadilho sim) mascada à exaustão e sem ter já a mais pequena amostra de açúcar. Ao invés, o foder conjunto mantém o mesmo viço primordial, desde os tempos antropológicos do incesto olímpico ou dos maravilhosos tempos do amor livre, que apenas uma vertigem civilizacional bolorenta se encarregou de pôr para debaixo da alcatifas da conveniência ou dos tabus.

Passado este preâmbulo, que espero tenha sido elucidativo, concentremo-nos agora no fodemos propriamente dito. Foder é algo que a blogaria trata desde os seus primeiros tempos com maior ou menor fulgor, principalmente por aqueles – antes apelidados – ‘blogues de gajas’ (que entretanto foram desaparecendo ou sendo substituídos por blogues feitos para vender chinelas ou biquinis) que viram neste meio a fantástica oportunidade para escrever ‘foder’ pela primeira vez e assim formalmente se emanciparem pela via erudita. Sendo que foder já teve o seu Ipiranga literário temos de reconhecer que ainda não teve realmente direito a um lugar digno no grande altar da política.

Reparem que não falo de causas banais como a liberalização da prostituição, nem da paneleirice-com-papel-passado, nem sequer do amor livre: falo de foder mesmo, foder sem cláusulas de salvaguarda, sem coeficientes conjugais, um foder sem austeridade, sem rating, nem sequer me refiro a um foder new wave para libertar energias e entrar em novas dimensões, falo mesmo de foder como a grande causa da esquerda, mais próxima de Noé do que de Lenine.

A esquerda está presa à agenda conservadora dos costumes, das pequeninas liberalizações e apenas foder a pode libertar. Reparem em exemplos práticos: substituir o iva da restauração pelo sexo na restauração, substituir a reestruturação da dívida por foder mesmo as contas publicas todas, substituir as parcerias publico-privadas por uma grande foda geral que não discrimine quem ajoelha e quem abana o rabo.

Onde está a  extremosa esquerda quando precisamos mesmo dela? A juntar pilinhas?

E agora o amor

Os conceitos que entram timidamente na composição mas afinal podem fazer toda a diferença no enredo, vistos pelo novo dicionário não ilustrado

Pragmatismo – o que vale no amor é apenas o lugar de intersecção entre o possível e o possível

Realismo – o que vale no amor é a parte em que nada se sente mas tudo se vê

Calculismo – o que vale no amor é a parte do possível que nunca será impossível

Disponibilidade – é a parte do amor que os pragmáticos evitam

Oportunismo – parte do amor que funciona como ‘afecto curricular’

Securitismo – o que vale no amor é ele poder funcionar como reserva de segurança emocional

Decorativismo – o que vale no amor é ele poder servir de embrulho de fantasia a sentimentos mais banais

Ecologismo – o que vale no amor é apenas a capacidade de limpar passados incómodos

Betumismo – o valor do amor é a sua competência para tapar buracos ou falhas nas paredes mestras

Pladurismo – o que vale no amor é ele puder servir de parede falsa entre vidas paralelas.

Suspensismo – componente do amor que permite deixar tudo em suspenso

Monetarismo - o amor apenas vale a pena quando conveniência e necessidade são as duas faces da mesma moeda

Bromazepamialismo - valência do amor em criar relaxamento sem dependência.