Certo dia, enquanto de refrescava no golfo de tarento, veio ao
salão encefálico de Hipaso de Metaponto a ideia de que todos os verdadeiros problemas
apareciam quando se queria produzir qualquer coisa a dois. Um era bom, três era
a conta que deus fez, mas dois era aquele número que trazia a maior das
complicações. Só que era inexorável: o dois existia realmente, não se podia
fugir a essa realidade. Como seria então possível construir um dois por forma a
que ele não desse tantos problemas. Agarrou-se então à geometria. Juntou uns
pauzinhos em mogno do Quénia, comeu duas romãs e três figos, e foi beber uns
copos com o seu mestre Pitágoras que andava deprimido por causa de um cateto
que lhe tinha entrado para a vista tentando convencê-lo que a solução estava na
raiz quadrada do dois. Impossível, disse-lhe o mestre, nem mates a cabeça, não
existe tal número, se alguma gaja te pôs os palitos desenrasca-te por outro
lado, não esperes que a matemática te safe. Mas Hipaso não se ficou, meteu-se mesmo
a caminho da raiz quadrada de dois, o tal número que a acasalar consigo próprio
produziria o dois, numa espécie de clonagem avant la lettre, sem somas, sem
merdas de complementaridades, nem unhas com carnes, apenas carnes com carnes.
Comia ele uns camarões panados à beira mar quando o tal
número mítico lhe apareceu através da observação do triângulo pélvico de
Isadocleia, uma moça que apresentava dotes académicos e anatómicos que o punham
permanentemente em estado de hipertenusa.
Mal sabia Hipaso que Pitagoras também andava de olho em
Isadocleia, inclusivamente ela já teria posado para meia dúzia de teoremas seus,
e este levou bastante a mal quando soube não só da descoberta de Hipaso, mas também
que este a fizera não através da nobre arte da observação de aves, mas antes da
passarinha de Isadocleia.
Descoberto o assombrado número, Hipaso, talvez ainda
deslumbrado, começou por não saber bem o que fazer com ele. Por um lado
tinha-se apaixonado por Isadocleia, havia ali um dois em perspetiva obtido pelo
método clássico um mais um, mas por outro lado ele intuía que seria tudo mais
perfeito se chegassem ao dois através da respectiva raiz quadrada, um número
pelo qual se tinha obviamente apaixonado e ao qual, pensava, iria também
conseguir atrair Isadocleia, indo assim ambos construir o dois mas em ambiente
de potência mística. Esta hesitava e não queria ir pedir opinião a Pitágoras, a
quem, inclusive, já tinha ouvido dizer: ‘quero que ele meta a raiz quadrada do
dois no olho do seu singular cu’, frase que acabou por fazer escola no bas-fond
da matemática como o ‘teorema da sodoismia’, que enunciava ser a raiz quadrada
de dois tão chata e comprida que quando estava quase para parir o dois acabava
por recuar e apenas resultar num 1,999, também conhecido como o ‘broche de dois’.
Enfim, abreviando, via-se que isto não iria acabar bem e
Isadocleia pôs mesmo um par de palitos a Hipaso que se suicidou enfiando um pi
nos cornos.
Excerto da Introdução à tese de mestrado sobre ‘Os números
irracionais e as vulvas em desenvolvimento’, a defender no carnaval de 2014 em
Sciences Po