Almoços Grátis. série 3 [3]

Sexta-feira e sala cheia. A proximidade do fim-de-semana descontrai-nos e põe os sentidos mais disponíveis para o lado deseconómico da existência: comer mais do que precisamos, correr mais do que precisamos, descansar mais do que precisamos, pensar mais do que necessitamos, conviver mais do que necessitamos, beber mais do que necessário e etecetera e tal mais do que necessitamos. Como que a compor o ramalhete L. trazia vestido uma saia também um pouco mais curta do que aquilo que seria necessário para ela, mas um pouco mais comprida do que seria necessário (e proveitoso) para mim. Ainda me lembro da primeira vez que lhe vi as pernas (um bom bocado delas, para ser mais rigoroso) despidas pela primeira vez ali junto ao rio. Já levava a memória um pouco acima do joelho dela quando fui impelido a escolher o menu pela empregada-dos-molhos. Reparo de caminho que ela também é benfeitinha, benza-a deus , e escolho bacalhau à Brás sem perder muito tempo a exercitar o pouco livre arbítrio que ainda me resta. Já vou no terceiro dia que retomei as minhas idas ao restaurante e a L. ainda não me dirigiu palavra nem sequer se aproximou a menos de 15 metros. Haverá criminosos com medidas de restrição menos exigentes. Via-a a sair da cozinha a rir-se, seria certamente uma piada boa porque se manteve num estado quase efusivo durante mais de 10 segundos. A última vez que eu a tinha feito rir assim já fora à custa de muito esforço. Acho que agora terá a minha imagem fixada mais como um filho da puta do que propriamente como um gajo engraçado, mas nem sequer um grande filho da puta, apenas aquele tipo de filho da puta que ainda recentemente foi desmamado de tipo-sem-interesse. Chegou a sentar-se junto dos clientes que estavam na mesa mais próxima do balcão, notava-se que eram clientes que se tinham tornado mais regulares recentemente, e ainda alimentou alguma galhofa técnica, o suficiente para fixar o charme necessário para um negócio em fase de ivas majorados. E foi assim, entre necessários, suficientes e insuficientes que acabei por tomar um café já frio; bem a condizer. Estupidamente fui até ao balcão sob o pretexto de pagar a conta mais rapidamente e ainda tive tempo de ouvir do lado de lá da cortina de ferro: ele sabe que aqui nunca pagará nada. Saí como se fosse um Barrabás em corpo de Lázaro.

2 comentários:

maria disse...

Viva! delicioso...

beijos

aj disse...

Viva! São os seus olhos, são os seus olhos! :)

beijos