L. estava cá fora a fumar. Via-a ainda ao longe e obviamente
hesitei. Ela deu conta da minha mal trabalhada hesitação, deitou fora a metade
do cigarro ainda não fumado e sem esboçar qualquer sinal relevante entrou para
dentro do restaurante. Minto, mostrou um certa indiferença daquelas arraçadas
de comiseração. Mas por que caralho é que ela agora teria pena de mim? Será que
já tinha coitadinho pintado na testa e até se via a mais de 100 metros? Quando
entrei ela já não estava à vista. Contaram-me que agora passa mais tempo na
cozinha e menos na sala. O meu hemisfério esquerdo diz-me que isso é porque tem
um novo amante de imponente barrete branco mas o meu hemisfério direito diz-me
que é porque não suporta ver casalinhos felizes a comer no seu restaurante (por
óbvias saudades minhas). É a saltar de hemisfério em hemisfério que escolho um
risoto à bulhão pato, novidade absoluta do menu, e para quem começou tardiamente
na vida a gostar de comer pareceu-me uma boa opção, sempre podia imaginar que
teria sido ela a abrir as ameijoas - uma a uma para mim. Estava bom o cabrão do
risoto. Uma empregada nova veio-me perguntar se queria algum dos molhos da casa
para temperar melhor. Acho que nem lhe respondi, para já, o que quer que seja
que me perguntem soa-me a metade provocação metade ‘põe-te ao fresco’. É tão
agradável sentirmo-nos mal vindos. Já estava na sobremesa quando a L. apareceu
na sala. Queque de abóbora com gelado de canela. Olhou para mim e escreveu no
ar com os olhos: amar-te-ei até que o tempo acabe. Trinquei a língua e pedi o
livro de reclamações. Ficou lá plasmado para o delegado de saúde poder
comprovar: neste estabelecimento as abóboras são bêbedas. Saí de nariz
encarnado e feliz como só um parvo encartado consegue.
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