Almoços Grátis. série 3 [2]

L. estava cá fora a fumar. Via-a ainda ao longe e obviamente hesitei. Ela deu conta da minha mal trabalhada hesitação, deitou fora a metade do cigarro ainda não fumado e sem esboçar qualquer sinal relevante entrou para dentro do restaurante. Minto, mostrou um certa indiferença daquelas arraçadas de comiseração. Mas por que caralho é que ela agora teria pena de mim? Será que já tinha coitadinho pintado na testa e até se via a mais de 100 metros? Quando entrei ela já não estava à vista. Contaram-me que agora passa mais tempo na cozinha e menos na sala. O meu hemisfério esquerdo diz-me que isso é porque tem um novo amante de imponente barrete branco mas o meu hemisfério direito diz-me que é porque não suporta ver casalinhos felizes a comer no seu restaurante (por óbvias saudades minhas). É a saltar de hemisfério em hemisfério que escolho um risoto à bulhão pato, novidade absoluta do menu, e para quem começou tardiamente na vida a gostar de comer pareceu-me uma boa opção, sempre podia imaginar que teria sido ela a abrir as ameijoas - uma a uma para mim. Estava bom o cabrão do risoto. Uma empregada nova veio-me perguntar se queria algum dos molhos da casa para temperar melhor. Acho que nem lhe respondi, para já, o que quer que seja que me perguntem soa-me a metade provocação metade ‘põe-te ao fresco’. É tão agradável sentirmo-nos mal vindos. Já estava na sobremesa quando a L. apareceu na sala. Queque de abóbora com gelado de canela. Olhou para mim e escreveu no ar com os olhos: amar-te-ei até que o tempo acabe. Trinquei a língua e pedi o livro de reclamações. Ficou lá plasmado para o delegado de saúde poder comprovar: neste estabelecimento as abóboras são bêbedas. Saí de nariz encarnado e feliz como só um parvo encartado consegue. 

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