Hoje passei por uma livraria antes de ir para o restaurante.
Levava comigo uma novidade absoluta por debaixo do braço e iria desfolhá-la entre
pratos. Peguei de forma compenetrada no menu e pedi algo que já andava há dias
para experimentar: ‘Delícias de bacalhau’ , e sobre a qual já assistira noutros
dias a imensa animação pelas mesas. A rapariga dos molhos quando recolheu o
pedido não resistiu a lançar-me um «estava a ver que não pedia este». A L. estava
deslumbrante. Não desfazendo nos outros dias, hoje havia qualquer coisa de
valha-me deus naquela mulher: um vestido cor de caramelo muito justo e um novo
corte de cabelo que me parecia estar mais alourado. Penso que fariam doses
familiares de baba de camelo só com a minha cara a olhar para ela. Numa das
suas passagens pela sala (hoje estava muito solícita para uma mesa onde estava
um jornalista da televisão – as mulheres derretem-se com um certo tipo de
homens que, bem, que se lixe) olhou para mim com ar de que me queria dizer
alguma coisa, ou pelo menos passar uma mensagem. Mas como ela sabe que eu sou
básico como receptador de enigmas cedo percebeu que tinha de se explicar
melhor. O prato era de facto bastante bom, algo da família da meia desfeita de
bacalhau e com um grão-de-bico ao qual também se poderia dizer que estava al
dente, como as massas. Julgo que ela ficou intrigada com o livro que eu de vez
e quando abria, já com alguma pitada de provocação, tenho de reconhecer, de tal
forma que ela a certa altura fez uma franzidela de face (daquelas gerais do
queixo à testa) como que a dizer-me: não sejas parvo mostra-me lá o que estás a
ler. Respondi com uma coçadela de polegar na base do lábio inferior que queria
dizer: ‘se quiseres saber vem cá’ à qual juntei um ligeiro movimento nervoso
com o indicador no queixo que significava ‘ai se te ponho as mãos em cima’.
Bem, pedi um cheesecake para acalmar. Passei por uma ou outra página tentando
não ser atraiçoado por algum movimento estúpido de pestanas ou sobrolho e
aguardei. Sentou-se trazendo consigo uma fatia de bolo de chocolate para ela. Infelizmente
não me saiu logo nenhuma piada rápida que não fosse totalmente ordinária e tive
de lhe dar a dianteira dialéctica: «Humm…o livro do Herberto Helder que saiu
hoje, sim senhor, muito em cima do acontecimento», « Ah, foi coincidência, como
sabes também ocorrem» - foi a resposta que também me ocorreu. «Senti muito a
tua falta, sabias?» - avançou ela entre fatias - «…gostaste da meia desfeita?» Duas
perguntas nos antípodas da sensibilidade masculina tornam-me irritadiço e
respondi «estás pendular…isso também é efeito dalguma receita do óscar?» Riu-se,
sem levar muito a cabeça para trás…e disse: «tu às vezes transformas o nosso
amor numa antecâmara do inferno, sabias?» Já era o segundo ‘sabias’ em menos de
um minuto e não resisti em responder como vem na página 99: «meu amor, o
inferno é o teu corpo foda a foda alcançado». Saí logo e esqueci-me lá do
livro.
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2 comentários:
é bom chegar aqui e sorrir...
beijinhos
bem bom! :)
beijinhos
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