Hoje escolhi franguinho da guia. É uma receita que a L. já
costumava fazer antes e que eu apreciava especialmente. Não tem nada de
original, mas é muito saboroso e eu hoje não queria correr riscos. Sentei-me
numa das mesas mais próximas da entrada da cozinha e apelei a todas as minhas
reservas de curiosidade para tentar perceber o que se passava do lado de lá.
Reparei que havia uma televisão nova na parte de dentro do balcão, talvez a L.
quisesse acompanhar mais de perto as notícias nestes tempos de tsunicómio e austeridadismo
utópico, ou então estava mesmo apaixonada por algum enterteiner…Bocejei uma ou
duas vezes e a rapariga-dos-molhos não perdeu tempo a perguntar se me tinha
deitado tarde. Respondi-lhe que ter um harém às vezes rebenta-nos com o sono.
Foi aos risinhos para a cozinha e depois trouxe-me o franguinho com um recado
inesperado: «sabe que a dona L. agora vai todos os dias ao cabeleireiro?». Com
a primeira asa trinquei a língua, com a segunda rasguei o esófago. Este esquema
dos recadinhos a entremear conversas sem eira nem beira parecia estar a
tornar-se a fruta da estação. Comecei a pensar naqueles dias em que lhe
agarrava o cabelo numa mecha de oiro velho, a beijava como quem beija uma bola
de cristal e ela me focava ternamente com olhos-de-quem-gosta. Ter-me-á mesmo trocado por
um óscar qualquer e agora vai fazer gato sapato da minha dúvida, alimentando-se
dela como um tempero para o seu novo devaneio romântico? Deixei a salada de
tomate para o fim e comi-a como se fosse uma penitência. Pedi um café e
deixei-o esfriar. Pedi outro e deixei-o esfriar também. Pedi um terceiro e
trouxeram-me um limoncello com um recado escrito nas costas dum talão da conta de manicure: ‘se gosta frio é melhor que seja isto’.
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