Almoços Grátis. série 3 [12]

Hoje passei por uma livraria antes de ir para o restaurante. Levava comigo uma novidade absoluta por debaixo do braço e iria desfolhá-la entre pratos. Peguei de forma compenetrada no menu e pedi algo que já andava há dias para experimentar: ‘Delícias de bacalhau’ , e sobre a qual já assistira noutros dias a imensa animação pelas mesas. A rapariga dos molhos quando recolheu o pedido não resistiu a lançar-me um «estava a ver que não pedia este». A L. estava deslumbrante. Não desfazendo nos outros dias, hoje havia qualquer coisa de valha-me deus naquela mulher: um vestido cor de caramelo muito justo e um novo corte de cabelo que me parecia estar mais alourado. Penso que fariam doses familiares de baba de camelo só com a minha cara a olhar para ela. Numa das suas passagens pela sala (hoje estava muito solícita para uma mesa onde estava um jornalista da televisão – as mulheres derretem-se com um certo tipo de homens que, bem, que se lixe) olhou para mim com ar de que me queria dizer alguma coisa, ou pelo menos passar uma mensagem. Mas como ela sabe que eu sou básico como receptador de enigmas cedo percebeu que tinha de se explicar melhor. O prato era de facto bastante bom, algo da família da meia desfeita de bacalhau e com um grão-de-bico ao qual também se poderia dizer que estava al dente, como as massas. Julgo que ela ficou intrigada com o livro que eu de vez e quando abria, já com alguma pitada de provocação, tenho de reconhecer, de tal forma que ela a certa altura fez uma franzidela de face (daquelas gerais do queixo à testa) como que a dizer-me: não sejas parvo mostra-me lá o que estás a ler. Respondi com uma coçadela de polegar na base do lábio inferior que queria dizer: ‘se quiseres saber vem cá’ à qual juntei um ligeiro movimento nervoso com o indicador no queixo que significava ‘ai se te ponho as mãos em cima’. Bem, pedi um cheesecake para acalmar. Passei por uma ou outra página tentando não ser atraiçoado por algum movimento estúpido de pestanas ou sobrolho e aguardei. Sentou-se trazendo consigo uma fatia de bolo de chocolate para ela. Infelizmente não me saiu logo nenhuma piada rápida que não fosse totalmente ordinária e tive de lhe dar a dianteira dialéctica: «Humm…o livro do Herberto Helder que saiu hoje, sim senhor, muito em cima do acontecimento», « Ah, foi coincidência, como sabes também ocorrem» - foi a resposta que também me ocorreu. «Senti muito a tua falta, sabias?» - avançou ela entre fatias - «…gostaste da meia desfeita?» Duas perguntas nos antípodas da sensibilidade masculina tornam-me irritadiço e respondi «estás pendular…isso também é efeito dalguma receita do óscar?» Riu-se, sem levar muito a cabeça para trás…e disse: «tu às vezes transformas o nosso amor numa antecâmara do inferno, sabias?» Já era o segundo ‘sabias’ em menos de um minuto e não resisti em responder como vem na página 99: «meu amor, o inferno é o teu corpo foda a foda alcançado». Saí logo e esqueci-me lá do livro.

2 comentários:

maria disse...

é bom chegar aqui e sorrir...


beijinhos

aj disse...

bem bom! :)

beijinhos