Pelos vistos estamos na semana dedicada aos doces. Sentia-se
até um certo cheirinho pela sala, e, talvez, um ou outro sorriso mais aberto. Os
doces são, de longe, onde a L. mais se realiza e onde consegue dar mais enfase
ao seu cunho pessoal. Se a expusessem ao discurso psicanalítico julgo que os
mecanismos perversos da livre associação a levariam rapidamente a chamar-me de ‘melgaço’,
uma mistura de melga com melaço, que será como o seu inconsciente me trata em
momentos de exasperação. Apesar do episódio do último dia hoje eu também estava
bem disposto e até receptivo a alguma ironia, inclusive daquelas que só se distinguem
do escárnio porque são ditas em ritmo de murmuração, o que lhes dá um poder
encantatório a que nenhum homem resiste. Confesso, até podem sussurrar ao
ouvido de um homem que ele é a maior merda desinteressante do universo que ele
entenderá isso sempre como um convite pre-coital.
Pedi lulas recheadas. Ó séculos que eu não comia umas lulas
recheadas. Recheadas com quê? Não percebi. Tentei sacar uma explicação a um dos
empregados mas ele apenas me disse ‘óscar secret’. Já percebi que vou ter de
lidar com o fantasma desse óscar e decidi não dar parte de fraco. Pedi um
gelado de baunilha com um café entornado por cima e ainda fiquei uns minutos a
observar o movimento da sala. Gente mais nova que o normal, grupos de miúdos de
consultoras a esturrarem os primeiros ordenados, ainda todos com o viço da
ingenuidade bem misturado com uma competência ainda por comprovar. Tristes dos
que já não têm nada para provar. A L. ainda veio a tempo de me acenar do
balcão. Poderia ter vindo à mesa, ter-me dado um beijo, uma festa, um sussurro,
posto a mão na perna, recitado um soneto do camões, comido um pudim flan a
meias, qualquer coisa. Estou na fase qualquer coisa. Não é que eu me contente
com qualquer coisa, mas. Qualquer coisinha, porra.
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