novo-velho


O Estado Marsupial


Depois de ter sido decretado o óbito do chamado Estado Social toda a comunidade politóloga e sociolofílica se reuniu para desenvolver um novo modelo de Estado que, para além de lhes continuar a dar trabalho, pudesse igualmente dar aviamento à quantidade de impostos que começariam a sobejar nas contas públicas. Tendo acordado em manter uma posição de apriorismo na definição de Estado, oposta, portanto, à recente tendência pragmatóina, (na qual o Estado é o que derem os impostos, uma espécie de Estado em regime de trabalho temporário) os especialistas começaram por construir o enquadramento conceptual para um Estado neoplatónico, um Algo que tem de estar ali, leviatanico e seguro, mesmo que não se veja nem sinta.

Arredada a vertente minimalista de Estado-central-da-securitas, em que cada cidadão estaria ligado a um posto de intervenção rápida que enviaria um piquete apenas em caso de arrombamento social, estabilizou-se num conceito de Estado-como-central-de-acolhimento. Afastados os extremos de Estado-sopa-dos-pobres e Estado-resort, as várias sensibilidades centraram-se em torno de modelos mais biológicos, procurando inspiração na natureza que deus nosso senhor nos propiciou na sua infinita magnanimidade e inclusive espírito prático, avant darwin.

A primeira sedução filosófica veio da corrente que desenvolveu o conceito de Estado-concha, naquilo que ficou conhecido como o neo-Bibalvismo. No entanto, rapidamente esta corrente desembocou nos previsíveis rousseauniamismos avulsos, chegando-se a ouvir afirmar que cada cidadão seria uma pérola em potência apenas à espera dum Estado-joalheiro que se enfeitasse com ele. Quando parecia poder instalar-se um impasse ideológico, um grupo de filósofos sugeriu que se deveria procurar uma fórmula de Estado naquilo que de mais íntimo a natureza humana albergava. Tentativamente simularam-se modelos de Estado-vulva, tomando em consideração que a sodomia já está demasiado usada e que haveria de voltar às origens, nas quais o Estado era o grande fecundador de consciências, uma espécie de viveiro de sonhos de cidadania, liberdades & magnas cartas. Alertados para o problema que se levantaria com o ressurgimento das nações-vulva, que automaticamente atrairiam uns problemas do caralho, souberam ainda assim não esmorecer e, vendo o entusiasmo crescente dos defensores dum Estado-balancete eternamente depende do espasmo fiscal, e em paralelo as mãos caídas dos herdeiros desfalcados do tal Estado-Social, alguns elementos dum think-tank denominado 'roer-o-osso' reuniram-se em segredo para formular uma Teoria de Estado que o voltasse a colocar no coração das pessoas.

Surgiu assim o modelo consensual de Estado-Marsupial. Este tipo de Estado é claramente uma mais-valia e uma solução de compromisso, no qual o cidadão pode encontrar o aconchego que precisa mas em que, simultaneamente, pode pôr de vez em quando a cabecinha de fora para tomar ar. O Estado-Marsupial tem uma característica fundamental: está sempre disponível; mesmo que não existam grandes recursos há sempre um mínimo de calor interior que permitirá aquecer o cidadão, dar-lhe guarida, e inclusivamente ajudá-lo a dar o salto para qualquer sítio. O próprio sub-grupo recentemente criado dos refundacionistas, que pretendiam criar um modelo de estado-das-sobras, considerou que este modelo marsupial não era incompatível desde que o cidadão não desse muitos traques fora da bolsa, pois nesta fase não se pode perder nada independentemente do que cheire. Espera-se agora que as instituições se adaptem progressivamente e inclusive não se dêem reacções despropositadas de lobis mais envolvidos em compromissos com o estado-coninhas, também conhecido como o estado liberal.

a economia da estupidez


Ser estúpido é algo que requer uma utilização criteriosa de amplos recursos. Em geral podem encontrar-se 2 grandes tipos de estupidez: a natural e a elaborada. O primeiro tipo está bastante bem difundido pela espécie e é uma das chaves mestras da nossa sobrevivência a par do polegar pênsil, do uso do fogo, do cartão de crédito e da roda. No entanto, mesmo esse nosso talento inato para colocar a realidade ao serviço das nossas entranhas mais íntimas exige treino e interacção com vários recursos, designadamente o desprezo pelo semelhante e , nos casos mais sofisticados, o desprezo por nós próprios. Deixando um pouco de lado este tipo de estupidez natural, debruçar-me-ei no segundo tipo que chamarei de estupidez-elaborada. Quando se diz, por exemplo: não há limites para a estupidez - é precisamente desta que estamos a falar.

A estupidez elaborada tem, desde logo, um ponto de contacto muito relevante com a natural, trata-se da pose. A pose estúpida é a combinação do talento natural-estúpido com um trabalho artesanal que inclui trejeitos, tiques e fosquices, sem menosprezar esgares diversos. É, no entanto,  objecto de estudo dos fisionomistas-pantomínicos e deixamos para outra ocasião. Situemo-nos agora na observação dos mecanismos mais recorrentes na elaboração da estupidez. Em primeiro lugar temos a fenómeno da 'sobranceria'. O uso da sobranceria deve ser concretizado de forma muito parcimoniosa, não se deve esbanjar sobranceria pois se ela transbordar poderá conduzir a que não sejamos levados a sério. Um verdadeiro estúpido condimenta sempre a sua sobranceria com momentos de comiseração patética. A comiseração patética distingue-se da comiseração lúdica porque implica a maior utilização de trejeitos de lábio e em menor grau os de nariz ou testa (os olhares terão direito a dissertação específica). É talvez um tema demasiado técnico para este documento e podemos passar ao segundo elemento constituinte da estupidez-elaborada, trata-se do convencimento-misterioso. Um estúpido-elaborado apresenta-se sempre senhor de um conhecimento oculto, também conhecido nalguns fóruns técnicos como o graal-de-merda. Este aleph do estúpido deve concentrar um efeito anestesiante nos auditórios que o rodeiam e apenas tem de se ter cuidado com o efeito-fronteira da irritação alérgica. Um estúpido no ponto rebuçado deve sempre causar irritação mas jamais deve permitir que esta vire alergia. A alergia é a grande inimiga do estúpido-elaborado e funciona quase como o mau hálito do padre num confessionário, que, designadamente, pode fomentar pensamentos perturbadores do género do foda-se perdoa-me lá esta merda e afasta o bafo de cima de mim. Por último, e para não nos alongarmos neste estudo que se quer sucinto, - e eu hoje sinto-me sucinto - devemos debruçar-nos sobre o tema do olhar do estúpido-elaborado. Em primeiro lugar há que afastar o risco de confusão com o olhar de peixe, pois nem todo o olhar de peixe está afecto a um estúpido (por vezes é um peixe mesmo) e nem todos os estúpidos têm olhar de peixe. Uma coisa é clara, e todos os trabalhos de campo que efectuei o demonstram, o estúpido deve estar dotado de algum esgazeamento de olhar, algo assim entre a névoa e o alheamento e que vai muito bem juntamente com umas olheiras discretas. Há, contudo, certos patrimónios genéticos que não permitem este tipo de olhar e têm de recorrer a outros mecanismos fisionómicos, como sejam o do carneiro-mal-mortismo que é de bastante mais fácil acesso a qualquer estúpido-em-elaboração. Os olhares com tendência mais inerte poderão ter de se socorrer do plano B que se encontra no esbugalhamento. Este olhar esbugalhado é algo arriscado, e já ouve muitos espécimes que foram encarados como meros curiosos, mas afinal acabaram por funcionar muito bem como estúpidos-cientistas sociais, uma nova sub-espécie em expansão. À laia de conclusão poderemos dizer que a estupidez elaborada dá-se muito bem em ambientes de credulidade assistida, ou seja, em situações históricas nas quais, à falta de catacumbas para nos escondermos duns cabrões em legião, nos refugiamos em pastiches econométricos, o verdadeiro paraíso simbólico do novo-estúpido, fazendo as vezes daquilo que o mercedes já significou para o novo-rico. Não queria no entanto deixar-vos sem uma breve alusão à nova preciosidade da estupidez moderna que é o uso da filosofia política como muleta de estupidez. Com o advento do estúpido-com-estudos veio a tentação de sedimentar a estupidez em algo de semelhante ao que,  no passado, o piolho já tinha representado para o estúpido medieval ou a cabeleira postiça para o estúpido ancien regime. Hoje o estúpido-culto ancora-se numa visão integrada do mundo, vivendo com uma espécie de clister hiper-estruturalista sempre enfiado, camuflado, digamos. Assim, é uma estupidez que resulta muitíssimo bem, sempre fornecida de eficientes retóricas de ocasião, e permitindo o desenvolvimento sustentado de uma das quinta-essências da estupidez-elaborada que é o desdém pelo semelhante, conferindo-lhe aquela auréola de iluminismo requentado de tão belo efeito, e que inclusive vai bem com qualquer tipo de botão-de-punho.

windianápolis #n


The wind blew all my wedding-day,
And my wedding-night was the night of the high wind;
And a stable door was banging, again and again,
That he must go and shut it, leaving me
Stupid in candlelight, hearing rain,
Seeing my face in the twisted candlestick,
Yet seeing nothing. When he came back
He said the horses were restless, and I was sad
That any man or beast that night should lack
The happiness I had.

Philip Larkin in Wedding Wind

windianápolis #4



O wild West Wind, thou breath of Autumn's being,
Thou, from whose unseen presence the leaves dead
Are driven, like ghosts from an enchanter fleeing,
Yellow, and black, and pale, and hectic red,
Pestilence-stricken multitudes: O thou,
Who chariotest to their dark wintry bed
The winged seeds, where they lie cold and low,
Each like a corpse within its grave, until
Thine azure sister of the Spring shall blow
Her clarion o'er the dreaming earth, and fill
(Driving sweet buds like flocks to feed in air)
With living hues and odours plain and hill:
Wild Spirit, which art moving everywhere;
Destroyer and preserver; hear, oh hear!
.
 
de Percy B. Shelley, in Ode to West Wind

Pussy Diet


De todos os grandes compensadores psico-fisiológicos da humanidade ( álcool, tabaco, velocidade e sexo) apenas o sexo não contribui devidamente para a cobrança fiscal. Por estar muitas vezes associado a actividades proibidas por lei, nalguns casos penalizado pela chamada moral vigente, e em muitas culturas ligado aquilo que geralmente se chama a esfera íntima de cada um, o sexo tem estado arredado da fiscalidade tradicional. Ora, sendo, destes quatro compensadores, aquele que está presente junto de nós há seguramente mais tempo e sendo aquele que, julgo, nos está mais amplamente consolidado, não parece normal que viva arredado dum papel activo de contribuição para a fazenda nacional. A dieta libidinosa a que o nosso orçamento do Estado se tem submetido deverá pois chegar ao fim. Até há alguns anos, a prática sexual , ao contrário dos outros compensadores, não compelia à utilização de nenhum produto, costume esse que com o tempo se foi alterando via o uso e consequente comercialização generalizada dos preservativos. Face à dificuldade da tributação do acto sexual em si, a possibilidade de tributar o produto associado ao acto parece ser o caminho mais razoável (da mesma forma que não se tributa o acto de beber e sim os produtos alcoólicos conexos, não se tributa o acto de fumar mas sim os cigarros ou afins e não se tributa o uso da velocidade mas sim a compra de viaturas e de refinados petrolíferos). Mesmo que a prática sexual possa estar associada a mais produtos para além dos referidos preservativos (toalhetes, motéis, algemas, lingerie ou até vendas para os olhos, entre outros) afigura-se-me pouco plausível que se alcancem resultados fiscais convincentes sem a utilização daqueles como matéria colectável. Assim sendo, dois caminhos se apresentam possíveis: ou a sua comercialização ser totalmente controlada pelo Estado (como acontece com os produtos alcoólicos ou até o tabaco nalguns países), ou a tributação ser exclusivamente efectuada no produto, independentemente dos seus canais de distribuição, com a obrigatória e solene selagem oficial. Na primeira modalidade poderiam utilizar-se as redes de lojas do cidadão, ou dos CTT, ou até a monopolização de novas máquinas dispensadoras a licenciar. Poder-se-ia inclusive conceder alvarás para lojas acreditadas (com a consequente receita adicional) o que até permitiria revitalizar sectores actualmente em esforço como a restauração ou as imobiliárias, constituindo-se assim um apetitoso cluster dos preservativadores, ou , passe o trocadilho neologístico, os novos condomínios. Se esta medida pode causar, à primeira vista, alguma estranheza, convenhamos que é meramente circunstancial, pois, repare-se bem, também não está no núcleo conceptual dos conceitos de beber álcool, fumar ou andar de carro a noção de que são actividades tributáveis, sendo que a colecta a elas associada é absolutamente artificial e só nos está entranhada por mera acostumação. Constataremos até que, neste caso, cada contribuinte sentirá que a sua participação no Orçamento do Estado é algo que lhe está bem junto ao corpo, numa verdadeira fiscalidade de proximidade, como uma segunda pele. Será obviamente natural que esta medida de tributação avulsa, e de alguma forma de emergência, leve a comportamentos de ajuste ou até evasão, quer sejam eles a utilização de alternativas sexuais, quer sejam níveis de abstinência mais elevados que os previstos pelos modelos, quer sejam o mero contrabando ou contrafacção. No entanto, uma coisa é clara, poderá não ser o fim da pica mas seguramente dará algum descanso à crica.

a economia do pensamento


Desaparecidas as ideologias em parte incerta e depois de uns anos à volta de super-estruturas de desenrasca tipo civilização, ocidente, tolerância, ética e outras avulsas da família das convicções, aterrámos na era dos conceitos. Como estamos ainda numa fase embrionária escondemo-nos frequentemente em figuras de estilo de maior ou menor efeito, metáforas de atavio, fazendo apelo a uma imaginação que vive descompensada por falta daquilo que antes lhe dava gás que eram os famosos valores.  Assim, nesta era emergente dos conceitos - à qual ainda nos adaptamos quais netherdales do pensamento abstracto - já tivemos de pôr de lado as grandes motivações e os grandes desafios e estacionámos na berma, junto ao maravilhoso mundo dos possíveis. Começamos, e bem, por baixo. Definimos os novos sofrimentos, as novas decadências e assim pensamos fugir aos cálculos piedosos da miséria e do desespero. De rabo a dar definimos como roubo a falta de jeito e como bomba o apertão, dando assim algum lastro para os conceitos terem espaço para montar a sua tenda. O Capital e a Bíblia, cumprindo o seu ciclo,  voltam a alimentar os mesmos comensais. Quando não se sabe, ensina-se, quando não se sabe ensinar, explica-se, quando não se sabe explicar conceptualiza-se. Vivemos o conceptualismo criativo. Nem está mal visto.

a economia da virtude


Há muito que o consumo tinha substituído a fé como principal motor da actividade e da ilusão humana. O consumo veio acompanhado de conceitos sedutores como a imaginação, a felicidade, o bem-estar, a liberdade, o progresso, e a fé foi ficando mais ligada a corrupção de almas, a liturgias bafientas, a estruturas de opressão emocional, a fanatismo , a irracionalidade e a regressão. Ora nestes tempos em que o processo de moeda ao ar que impregna toda a evolução humana entrou numa fase em que nos é apresentada a outra face temos para nos entreter o confronto semi-titânico entre a austeridade e a temperança. Assim, enquanto a austeridade nos revela os lados negros da privação, da insatisfação, da frustração, a temperança tem o seu tempo de antena para nos indicar o caminho da sobriedade, da paciência e da discrição. A opção para quem se sente fodido e mal pago é empertigar-se casto e ponderado. Se antes era preciso separar o consumo do desperdício, hoje é preciso separar a temperança da miséria.
Antes uma boa perspectiva na mão do que dois realismos mágicos a voar.

Windianápolis #3


No boughs have withered because of the wintry wind;
The boughs have withered because I have told them my dreams


William Butler Yeats, in  The Withering of the Boughs

Tsunicómio IV - Alvaladoscopia


Enfiaram um tubo pelo rabo do sporting adentro e foram encontrar uma espécie de pandilha doutro mou, dum memorandum of unconsciousness; mas nem tudo é o que parece. A parede estava bem lubrificada, todavia contraía-se por tudo e por nada. O ecrã mostrava movimentos espasmódicos por dá cá aquela palha, uns divertículos faziam de pombinho e outros de gralha, enquanto alguns procuravam um treinador que os salvasse outros procuravam um árbitro que não os tramasse, em ambos os casos evitando a cólica e aproveitando o flato para energia eólica. Tratava-se dum exame de urgência não houve tempo de esvaziar bem a tripa oleosa e ainda para lá havia restos de pentelhices misturadas com a mucosa. Foi avaliada a situação e o diagnóstico dito um em formato solene, que lá se instalara uma marosca perene. Seriam Lampiões? Sócrates? Um perdido par de colhões? Algum benefício fiscal desgarrado? Ou restos dum penalty mal assinalado? Uma virgula mal colocada num decreto? Uma maioria anulada por um veto? Retirou-se um bocado para análise. Com a bosta bem posta na lamela, ninguém dava por ela. Pediu-se paciência, circunspecção, coalescência e a uma puta armada em menina pediu-se cuidado com a verrina. As células acabaram por dar de si, e mesmo com um aspecto palúrdio houve quem dissesse que só servia um treinador que custasse um balúrdio. Foram a sortes, e como não havia treinadores incluídos no Plano Nacional de Leitura, optaram por contratar um tsu, um treinador saído do olho do cú.

Tsunicómio III


A lagartada afunda-se e nós andamos preocupados com a merda do país como virgens néscias. O afundamento leonino é algo que nos devia pôr todos a pensar: há na realidade algo que está por dentro e tudo mina. Não pode ser só incompetência, não pode ser apenas cancro, não pode ser apenas aldrabice, não pode ser apenas azar. Mas também seria abusivo dizer que o Sporting encarna o grande mistério da Impenetrabilidade do Ser, ou seja, meia dúzia de caralhos que não conseguem - há anos! - pôr a jogar outra meia dúzia de caralhos (não se escandalizem com tanto caralho e pensem como as boas gentes do norte que dizem que caralho é virgula) não é o suficiente para definir um problema metafísico. No entanto, algo estará quanticamente no interior daquele cabrão de sistema chamado sporting club de portugal e que compete com o misticismo judeu, a cabeleireira da judite de sousa e até aqueles modelos empíricos do gaspar devidamente benzidos por borges & macedos. Temos excesso de interioridade e excesso de litoral, somos demasiado densos, muita uva e pouca parra, concentramos demasiada energia e precisamos de escapismos seleccionados, mas desgraçadamente as balizas adversárias não têm estado no caminho dos nossos escapes, tal como não foi na praia do bom senso que desembarcaram as derivadas de gaspar. Pensemos estar a ensaiar mais um método de interrupção involuntária da sensatez, e que algo eternamente adiado pode afinal ser apenas um embrião embriagado.

Windianápolis #2


 This is how the wind shifts:
Like the thoughts of an old man,
Who still thinks eagerly
And despairingly.
The wind shifts like this:
Like a human without illusions,
Who still feels irrational things within her.
The winds shifts like this:
Like humans approaching proudly,
Like humans approaching angrily.
This is how the wind shifts:
Like a human, heavy an heavy,
Who does not care.

Wallace Stevens, «The Wind shifts» in Harmonium, 1923 (recolhido da "Antologia" ed. Relógio de Água, 2005)

Tsunicómio II


No dia da sua implantação o presidente da dita nem sequer pode sair à rua. Não é bonito e não há busto que disfarce o desconforto que isso devia significar para quem tenha um pingo de sensibilidade e bom senso na pinha. Não se trata de um efeito secundário da hibernação de soberania em que vivemos, é importante que se diga, trata-se duma má ponderação do momento que vive o País. Um presidente que não está próximo do país, mesmo que essa proximidade fosse litúrgica ou fetichista, perdeu a sua função. Já não é símbolo, já não é refúgio, já não é inspiração e muito menos referência, tornou-se um saco de boxe, um desabafador, uma espécie de relvas com estudos. Com a relação entre cidadão e Estado a ficar reduzida e estrangulada numa relação de sacador-contribuinte vêm abaixo todos os pilares duma sociedade que se arrastou nos séculos a tentar eliminar despotismos, prepotências e iniquidades. O presidente eleito duma República  devia dar o peito ao saque e ter consciência que não está ali por nascimento ou golpe de estado, que tem um compromisso de lealdade para com aqueles que aqui nasceram sob pena de, com a sua pose, se tornar num portas de boliqueime. As instituições são importantes quando significam uma organização de poderes e conhecimentos, quando anulam os efeitos duma turba raivosa ou duma facção sinistra, quando fazem a ligação entre cada indivíduo e todos os indivíduos. O Presidente da República Portuguesa não pode ser o Administrador duma Fundação de Senadores. Para ser a salvaguarda dos direitos das pessoas não basta a representatividade, é exigível a comunhão. Ora actualmente a comunhão que se vive nem mística é, resume-se a um solilóqio num qualquer pátio da galé. E cá fora o povo feito ralé.

Tsunicómio


Um dos paradoxos básicos da eficiência é que: o mercado será tanto mais eficiente quanto menor for o nível de eficiência apercebido pelos investidores. Foi como que apostando numa extrapolação teórica deste paradoxo que muitas medidas orçamentais foram sendo tomadas: os contribuintes iriam eficientemente na onda porque não percebiam o que estaria realmente por detrás da coisa. Alguma ignorância era assim uma variável importante do modelo. Mas aparentemente incorporamos um tal nível de ignorância que faz dar a volta aos ponteiros do modelo e demos cabo dele. Nem os paradoxos resistem.