A Unidose


Na semana passada as sapatarias Laurentino fizeram uma promoção singular: por cada sapato esquerdo ofereciam o direito. Desde que o comércio nacional foi compelido à oferta generalizada dos seus produtos em regime de unidose, que as mangas das camisas são facturadas à parte e as sapatarias ficaram obrigadas a vender em separado cada unidade de sapatos. O que parecia ser uma operação de marketing bizarro acabou por se saldar numa jogada de sucesso para as sapatarias Laurentino, e julgo até que para a semana a Super Bock vai lançar a primeira imperial apenas com espuma com a marca 'Mustacha' e a metade do preço. Esta crise tem agilizado a imaginação nacional e inclusivamente a televisão pública já franchizou as orelhas de Rodrigues dos Santos - as rodriguelhas - que agora podem ser utilizadas pelos mais diversos pivots pelo mundo inteiro para proveito e gáudio dos espectadores. Somos hoje uma economia de vanguarda, onde o preço de quem vende deixou de ser um custo para quem compra, o que interessa é o espírito da coisa, a nossa reinvenção do zeitgeist, a que o escritor Ernesto Mourão já chamou de oazeitégás, querendo demonstrar que para um português nos dias que correm nada se deve desperdiçar e se já sabíamos que se quem mais chora menos mija, agora também se aplicará o: quem mais tempera menos bufa. Não é por isso de estranhar que, no último mês, o produto fabricado em Portugal que mais contribuiu para as nossas exportações, depois do WV Sharan, tenha sido a caneca das caldas com a pilinha do nosso Cossaco (os tin-tins são vendidos como equipamento extra), desaparecida em circunstâncias ainda por apurar aquando do falecimento da escritora Custódia Passos, provando-se assim que somos um povo que se habituou a foder com aquilo que tem mais à mão. Um país do caneco.

Excerto da Crónica Mensal de Julio Paisana (sob o pseudónimo de Bernardo Marujo Cidreira), Essa é que é essa, publicada no número especial dos santos populares de 2014, de  O Badanal

2 comentários:

maria disse...

não me diga que veio à louça das caldas...caneco.

beijinhos

aj disse...

As caldas estão sempre no coração de qualquer português que se preze! beijinhos