Crítica gastronómica

Onde estaríamos à espera de encontrar uma vivenda construída de aproveitamentos e resultante de sucessivas adaptações, enfiada num aglomerado de desconexos edifícios, viemos encontrar uma verdadeira preciosidade saloia, em que a dimensão apreciável das salas (três) não lhes retira o conforto e o acolhimento mais típico dum restaurante que estivesse incrustado numa colina de charme alpino. No entanto, a Churrascaria Meireles não renuncia ao seu estatuto de casa popular: está ali para servir todos, desde que venham por bem, comer. O aspecto cuidado das mesas postas anuncia-nos imediatamente que popular não é sinónimo de desleixado, e muito menos de miserável, e que ali podemos contar com aquele respeito e consideração que faz cada cliente sentir-se um monarca antes da Bastilha ter sido tomada.
As entradas fogem imediatamente dos estereótipos e fomos brindados com uns pasteis de bacalhau que, não fora terem-nos deslizado imediatamente pela boca adentro, ainda agora estaríamos deslumbrados a apreciar-lhes a forma que seria digna de figurar em qualquer calendário pirelli. O 'pastéis maminha', como são chamados, consta terem sido inspirados nos atributos voluptuosos da escritora Simone Bolina, assídua frequentadora da Churrascaria antes da morte trágica de Custódia Passos. As inesperadas vieiras em molho de escabeche que nos foram servidas de seguida - numa faiança azul marinho especialmente desenhada para a churrascaria e que nos traz o mar à mesa sem sequer sentirmos falta do barulho das ondas - revelaram um cuidado e sofisticação que, por momentos, conseguiram fazer de Loures uma espécie de san sebastian dos pequeninos, uma luxúria saloia, em que até uma mera alface picada com cebola pareceu ter descido num vasinho acompanhado por dois anjos vestidos de couve-flor.
Seguiu-se um frango frito, certamente engordado num aviário da zona, mas que teria andado a comer especiarias trazidas por ninfas de capoeira, tal o sabor requintado e aveludado que desembocou nas nossas papilas, fazendo dos garfos autênticos descendentes de caravelas.
De sobremesa foi inevitável termos passado os beiços pelo Pudim Mourão, uma mistura de bavaroise com flan, que se chama assim por ter resultado dum capricho do escritor Ernesto Mourão, que um dia terá reclamado do pudim do dia, chamando-lhe uma «bavardice inflanada mas que até nem sabe nada mal». Terminámos contudo com o mil folhas da casa, um clássico, e a verdadeira razão secreta da nossa ida ao Meireles, tirando, claro está, a romaria ao local de culto em que se tornou a mesa em que Custódia Passos bebeu a sua última cerveja com sprite.

Excerto da coluna de gastronomia 'Os Mil e um Folhados', assinada por Bijagó Almaço (que se julga ser um pseudónimo de Raimundo Múrcia) na revista O Badanal, e dedicada à Churrascaria Meireles em Loures.

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