O pior serviço que a demagogia politica prestou ao desenvolvimento humano foi a introdução abusiva e banalizadora na agenda retórica corrente do maravilhoso mecanismo da vitimização. Criar vítimas foi desde que há registos uma actividade absolutamente fundamental no estabelecimento do equilíbrio entre o homem e o que o rodeia, e sempre foi a forma mais digna deste se relacionar com a adversidade, com a imprevisibilidade e a ininteligibilidade do mundo que são, registe-se, as suas características principais. Ao contrário das suas outras companheiras de troika, a vitimização não vive apenas de prerrogativas da mente e exige competências, digamos, técnicas ou mesmo artísticas. Vitimizar não é apenas um mecanismo para chamar a atenção, a vitimização é o acto mais perfeito da mitificação humana. A vitima é o mito mais completo. Uma generalização bem feita mesmo seguida da criação duma excepção cirúrgica, se não desencadear o processo de criação duma vítima, devidamente chorada, comiserada e sacrificada, será sempre um processo incompleto. Mas a verdadeira vítima nunca é o resultado dum expediente de chantagem emocional, isso é uma vítima-peluche, a vítima-mito é uma verdadeira categoria da mente que a deixa irredutivelmente condicionada, e lhe permite concentrar todas as suas forças, que geralmente correm o risco de se dispersar nos denominados 'os lados bons da vida', verdadeiros hinos ao perfil burlesco da criação. Quando puderam façam este exercício: peguem num falhanço banal, criem uma regra simples em torno dele, excluam-se por qualquer razão prosaica, guardem em ambiente húmido, e quando começarem a aparecer os primeiros pontos de bolor digam para convosco: «não fui eu o escolhido». Por cima dum subentendido há sempre um entendido.
Troika de MOU's (2/3)
Associada à nossa capacidade de generalização está outra das pérolas da nossa psique: a capacidade de criar excepções. Poderá mesmo dizer-se, sem causar estranheza certamente, que quem melhor generaliza é quem melhor excepcionaliza. Criar uma excepção, seja tirar alguém de uma norma, seja desviar um pressuposto para uma conclusão diferente, seja fazer um pinheiro membro de pleno direito dum eucaliptal, estamos sempre ao nível do compromisso psicológico. Se generalizar é um acto de liberdade plena, algo que surge da força telúrica do livre arbítrio, a excepção resulta sempre duma necessidade secundária, duma elaboração de prós e contras. Excepcionalizar é quase sempre conferir uma vantagem, é o grande padrinho do polvo das discriminações mentais. O primeiro acto de excepcionalização foi da serpente quando escolheu Eva e a maçã para tentar Adão, até aí tudo era a mesma coisa, até a falta da costela neste já não se distinguia no resto do esqueleto, até a maçã era uma manga mais empapelada e menos fibrosa, até a serpente era um lagarto maneta maneta. Esse momento nobre da mente em que esta cria excepções é chamado o momento da fuga e a maior glória é quando nós próprios somos o objecto da excepção. Quando puder façam este exercício: Pegue numa generalização que lhe desagrade, force a entrada de alguém que lhe desagrade, ponha a marinar, quando o sabor a amargo se sobrepuser ao salgado diga de si para si: eu não sou como eles. Is there a lie always underlying.
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Troika de MOU's (1/3)
Uma das capacidades mentais que mais nos aproxima da perfeição é a generalização. Aquilo que poderia apresentar-se como um mero expediente para nos defendermos da ditadura do caso particular revela-se uma verdadeira varinha mágica para lidar com as arestas da realidade - uma máquina de fazer verdades. De forma quase elixírica a generalização é um local refrescante, onde a estupidez se encontra com o génio, ou até a lucidez com a demência. Serve para banalizar mas também serve para sofisticar, e tanto fornece estigmas como camuflagens. Apesar de serem mais famosas as generalizações de género e de carácter, as mais interessantes são as generalizações de circunstância, aquelas que conseguem quase parecer-se a deduções e que permitem o cérebro conviver pacificamente com mentiras, ilusões, e quaisquer outro tipos de enganos diversos. Alivia sempre. Pegar numa andorinha e fazer uma primavera é o maior dom depois dos que decorrem da graça de Deus. Hoje faça este exercício: pegue numa expectativa, junte-a a um receio, ponha em lume brando e quando ouvir um estalido metálico diga de si para si: nascemos para sofrer. Todos temos direito aos nossos subentendidos essenciais.
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Tracking Poll
Espantará certamente muita gente, incluindo franjas da população geralmente bem informadas sobre assuntos do aquém e do além, quando eu vos trouxer ao conhecimento (vai ser agora) que Deus Nosso Senhor também utiliza tracking polls para aferir da Sua posição relativa no coração dos homens face aos concorrentes clássicos, como o poder, o dinheiro, os batidos de frutos tropicais ou as mini-saias. Como se sabe, a quem o homem mais mente é a Deus, inclusive uma sondagem telefónica recente revelou que se mente mais a Deus do que às próprias finanças. Ou seja, (eu estou sempre a abusar dos ou-sejas, foda-se) uma das mais importantes mutações da psique humana foi a que se deu ao nível da zona que dialoga com o Criador. Como Este não quer facilitar, nem quer ser apanhado no juízo final com uma acumulação de processos sem prova provada, vai levando a cabo baterias de tracking polls nos momentos em que a humanidade se parece estar a transformar em gás metano; se há coisa que Deus detesta é que isto se torne num cheirete insuportável.
Ultimamente as tracking polls têm estado a revelar tendências contraditórias. Se por um lado parece haver um empate técnico entre Deus e o Haxixe, há uma clara orientação da alma humana para o Deus útil, com a esquerda a fixar-se no caviar e a direita no cartão visa. Geralmente introduzem-se variáveis inesperadas nestas tracking polls para averiguar se com elas há movimentos ocultos a contrariarem a tendência, técnica conhecida na gíria como 'a sondagem do recalcado'. Assim, recentemente, Deus fez passar a informação de que também havia lugar (tipo plafond) para alguns paneleiros no reino do Céus. Com duas ou três semanas desta informação a germinar no coração dos homens, começaram então a aparecer indicações de que a Bancarrota estava a começar a entrar na franja dos deuses alternativos e com forte possibilidade de fazer coligações viáveis (os scores de Bancarrota com Visa apontam para maiorias confortáveis face a Deus).
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Vive la Tranche
Aparentemente Portugal, superiormente representado pelo descoberto bancário do ministério das finanças, terá recebido anteontem a 1ª tranche da famosa ajuda externa. De forma substantiva eu venho aqui porque não podia deixar de dizer ao amável, e inclusivamente estimável (amar e estimar são conceitos afins mas diferentes) público que aprecio imenso a palavra tranche. Desde logo porque é uma palavra plena (repleta também se aplicaria) de carnalidade, e qualquer homem que se preze tem de se assumir sem rodeios como um tal carnal. Por outro lado, uma bela tranche de mulher poderá ser inclusive a base da defesa de um tal Domenico Avestruz que se viu algemado há dias - confesso envergonhadamente que me comoveria tal argumento - e , convenhamos, é uma fórmula bastante mais decente que naco, seja ele de mulher, de alcatra, ou seja ele de swift bancário. Já antevejo a mobilização vascular que sentiremos ao saber que estarão à nossa disposição mais umas quantas tranchadas nos próximos anos, sem uma admoestação, sem uma recriminação, nem sequer uma palavra amarga, e muito menos uma devolução. Acho que recebendo o dinheiro em tranches nos devolve também bastante dignidade, muito mais que em parcelas, ou gominhos, e de estilo infinitamente mais sofisticado que fracções (seria degradante), para já não falar em prestações o que nos colocaria ao nível duma menstruação atrasada. Obrigado por nos tratarem assim, e quando for da próxima tranche-ferência, não se esqueçam da aguinha-benta pela vossa rica saúde, senão ainda nos entusiasmamos e o gastamos todo nalgum tranche-siberiano.
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