Maxi Hernandez nascera num berço miscigenado de mãe argentina e pai austríaco. O preceito obstetrício dera-se em Montevideu, quando o casal por ali tentava assentar, e essa marca haveria de conferir ao rebento atributos teleológicos. Um fisiotroponomologista uruguaio ( técnica para descobrir que profissão devemos seguir a partir das feições que apresentamos antes da puberdade) preconizara-lhe uma carreira desportiva, e a família tudo fez para garantir que Maxi seguia os desígnios que a ciência fisiotroponomológica lhe apontava, «a bolachinha no queixinho e o nariz ligeiramente virado a oeste, não me deixam quaisquer dúvidas que será um defesa direito de excepção, Herr Krauss». Dois anos passados com a sua avó mexicana fizeram-no debutar no Chivas Guadalajara, aprendendo com ela a rezar dois Glórias antes de cada jogo e uma ladainha de santos de língua espanhola ao intervalo, pelo que era o sempre o último a sair do balneário, miscigenando-se também aqui superstição com devoção, e garantindo-lhe a eterna alcunha de 'el ermitaño'. O facto de ser um defesa de betão, um confluir da robustez alpina com a fantasia asteca, foi-lhe conferindo destaque e competência entre aqueles que as podem transformar - ao destaque e à competência - em fama e proveito, e, quando chegou a altura, (a vida é uma sucessão de 'momentos' que podem dar em 'situações' e que depois se podem tornar 'alturas') decidiu ajudar a nação Uruguaia a tentar alcançar o seu terceiro título mundial, deixando Mamã e Papá ligeiramente descoroçoados, mas devidamente compensados na infusão de bênçãos que significava aquele destino cientificamente traçado.
Na selecção uruguaia o pendor devocional de Maxi - que ainda se reforçou quando a sua avó mexicana exalou as últimas preces - era visto com mais estranheza do que pelas terras mexicanas, mas com a constatação dos extremos esquerdos adversários a esbarrarem sucessiva e atordoadamente no seu complexo fisiomorfológico, muitos se foram convertendo àquela entrega despojada de Maxi Hernandez nas mãos da Divina e Soberana Vontade. A quem chamou mais à atenção foi ao seu companheiro de então no flanco esquerdo, Diego Suarez, que experimentou passar a entrar com o joelho esquerdo genuflectido no campo e um olhar piedoso para o alto da bancada Sul, mas o melhor que conseguiu foi duas operações à rótula bem sucedidas, e um abandono precoce da modalidade sob uma salva de «grande maricón's». Lançar preces ao céu tem o seus quês, para além, claro, dos seus efezierres.
No entanto, mais sucesso popular foram fazendo outras manifestações - apresentando um certo pendor paganizante - de entrega das sortes dos jogos nas mãos dum qualquer outro supremo desconhecido, como aquela que tornou conhecido o trinco Sebastian Perez que quando entrava em campo corria até à bandeirola e cheirava o sovaco esquerdo, tendo posteriormente esclarecido numa flash interview que se tratava de aproveitar a energia cósmica que emanava da bandeirola de campo e fazê-la fluir pelo seu tórax.
Como usualmente nos tempos livres dos estágios, Maxi Hernandez ia com o seu amigo e defesa central Nicolas Cáceres passear pelas ramblas de Montevideo e foi assim, num desses percursos, que um dia aproveitou para lhe dizer que estava a pensar fundar a União-dos-Jogadores-da-Ladaínha e que pensava contar com Nicolas para ser o outro dinamizador. E dessa forma se criaram no seio da selecção dois grupos de canalização mistico-energética e que viviam harmoniosamente: os 'ladaínhas' e os 'bandeirolas'; cada um procurava fazer confluir (acho que já vou em dois ou três confluires) para toda a equipa as forças e os talentos para a vitória, e envergavam as respectivas tshirts alusivas debaixo dos equipamentos, que orgulhosamente mostravam na celebração dos golos. O treinador, um Chileno chamado Mauricio Orellana, um ex-marxista columbófilo, com uma excursão de serralheiros à Roménia e um concurso de pesca na Bulgária no currículo, sabia muito bem que toda a vida era forjada entre alienações e complexos, (tinha até um autógrafo de Lacan que confundira com um extremo esquerdo do St Etiènne) e que o processo histórico passava por conturbados determinismos, incluindo futuros que já não são o que eram, deixou-se levar pela onda, afinal o verdadeiro ópio do jogador eram a nandrolona, e uma ou outra dominicana que fazia pela vida nos arredores dos estágios. Maurício revelou-se até um perito em expedientes supersticiocizantes e trazia sempre para o banco de suplentes um frasquinho d'agadoizó do estuário do rio da prata, devidamente benzida pelo padre Marco Ponce, - um fanático do Colo Colo - aliás tudo o que sabia de futebol devera-se a ele que, inclusive, o ensinara a rematar em folha seca no Domingo de Ramos de 1956.
Fora assim graças ao filho e neto de mexicanas piedosas e dum austríaco musculado fugido do anchluss que se dera o renascimento, se não mesmo a criação, da espiritualidade-de-cacifo naquele santuário que são os balneários de futebol, verdadeiras fontes de mitologias pre-barthesianas; não era pois de estranhar ver todo o grupo com Maxi Hernandez, Martin Muslera (um nº 10 que tinha pegado de estaca na posição, substituindo Gonzalo Rivera que se tinha afastado por motivos religiosos - pois tinha preferido a Argentina onde privilegiavam no balneário a devoção aos números especiais da playboy) e Nicolas Cáceres, entre muitos outros, a entrarem em campo de mãos dadas e a fazerem um ângulo de 77 graus com o pescoço, assumido por todos que era o melhor ângulo para receber as energias cósmicas, viessem elas do Sublime Éden se do Grande Zénite das Bandeirolas.
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