Um dos episódios mais ignorados da histografia nacional é a frustrada tentativa de dobrar o cabo da Boa Esperança encetada pelo navegador português Carlos Eirós uns meses antes da façanha de Bartolomeu Dias. A esta obscuridade não será certamente alheio o episódio curioso a que está associado o insucesso dessa operação. Constava em registos, até há pouco nunca confirmados por outras fontes, que Carlos Eirós e alguns dos seus marinheiros desembarcaram umas milhas antes da referida dobra a fim de apanhar um pouco de ar que não cheirasse a peixe quando foram surpreendidos por um grupo de leões que tinha sido banido pela forças vivas da savana. Ora esse grupo de leões (que se preparava para, em desespero, incorporar o carrossel duma feira em Alicante) apresentava-se com algumas necessidades de índole hormonal e encontrou nos navegadores portugueses uma possibilidade de alívio e satisfação; e satisfizeram-se. Inesperadamente, há uns dias, foi encontrado um documento original e muitíssimo bem conservado do então cronista do reino e dos descobrimentos Aurélio Freitas Fagundes que incorporava uma bem esclarecedora entrevista com Carlos Eirós, precisamente quando este regressava ao navio já com um caminhar novo. Ei-la:
Aurélio Fagundes - Diga-me, comandante Eirós, o que achou desta sua nova experiência com os leões?
Carlos Eirós - Bem, já sabíamos que eles trabalhavam muito bem as bolas entre si, tentámos adiar a sodomização o mais que pudemos, mas na realidade acho que fomos bem sodomizados.
Aurélio Fagundes - Não acha que a estratégia foi demasiado defensiva?
Carlos Eirós - Chegámos a pensar ficar no barco, mas o Vicente já não podia mais, tinha aviado com 5 kilos de figos algarvios que a mãe lhe dera, pisámos terra firme com a convicção que tínhamos de lutar folha a folha, cato a cato, gramínea a gramínea pelo nosso terreno.
Aurélio Fagundes - Não julga, portanto, que a sodomização pudesse ter sido evitada...
Carlos Eirós - Repare, estávamos perante os leões que eram os 2ºs do ranking, os primeiros já tínhamos passado por eles no apeadeiro do Golfo da Guiné, e aí apenas o marinheiro Crispim foi desflorado, algo que até nem se importou porque quando chegar à metrópole já vai poder casar com o Semedo que ficou a decorar o hall.
Aurélio Fagundes - E qual a razão de ter mudado de estratégia quando os leões pareciam estar a perder a, digamos, concentração vascular nas extremidades?
Carlos Eirós - Nós tínhamos uma estratégia bem definida, primeiro desgastá-los na zona lombar e depois dar de frosques quando o sol se começasse a pôr. Fomos sodomizados numa altura em que já não estávamos à espera. Como se sabe somos melhor a improvisar do que a planear, fazer o planeado, confirma-se, significa pormo-nos a jeito.
Aurélio Fagundes - Chegou a pensar que ainda conseguia inverter a situação?
Carlos Eirós - Como nos ensina a natureza 'quem tem cu tem medo', mas a nossa ideia era pôr no campo toda a nossa energia e qualidade, se acabámos sodomizados há que saber reconhecer o mérito daqueles que se mostraram mais consistentes.
Aurélio Fagundes - Não acha que alguns casos de insubordinação na tribulação possam ter contribuído para esta sodomização, quando pareciam estar criadas as condições para levar as filhas do adamastor para casa?
Carlos Eirós - O grupo esteve sempre unido...com o trajecto bem definido...um dos leões chegou até a dizer: segura-me também no leme, por favor, reconhecendo o nosso valor... nós estivémos sempre unidos...
Aurélio Fagundes - ...mas não acha que um grupo muito unido é mais fácil de sodomizar..
Carlos Eirós - eu ia dizendo, os casos mediáticos são produzidos pelos cronistas do reino, à falta de notícias sobre filhos ilegítimos na corte, aqui nós estávamos focados na nossa tarefa, sabíamos que podíamos encontrar leões com falta de leoa, mas também sabíamos da nossa qualidade, e do trabalho que tínhamos vindo a fazer nos treinos com maçarocas, gargalos de super bock e azeite Galo.
Aurélio Fagundes - E o que retira desta experiência?
Carlos Eirós - Em primeiro lugar fomos sodomizados com dignidade, não se ouviram gemidos, um ou outro joelho esfolado mas nada que uma noite de repouso e bagaço não resolva, há que olhar em frente e puxar as calças para cima.
Aurélio Fagundes - Então e agora?
Carlos Eirós - Agora voltaremos mais fortes. Quando estes leões nos aparecerem pela frente outra vez já não daremos o cu ao manifesto com tanta facilidade, eles terão de nos agarrar pela cintura, eventualmente prender-nos a uma palmeira, e até usar mais óleo de coco.
Aurélio Fagundes - E como está o espírito do grupo?
Carlos Eirós - Há uma grande consciência do dever cumprido, ainda há pouco ouvi o cronista Mendes a afirmar que o marinheiro Geraldo se sentia «destroçado com uma tristeza inimaginável», e é de compreender , pois havia a expectativa de pudermos ter bebido um ginger ale sossegados sem que um grupo de leões nos andasse a rodear no intuito de sodomizar.
Esta peça de registo histórico do cronista Aurélio Fagundes constitui um documento de valor incalculável e levanta definitivamente o véu a um dos episódios mais obscuros da nossa história, que alimentava há séculos a imaginação popular que, como se sabe, vive impregnada de golden shares, spreads, chips, e já não há scut que aguente.