Nina Nastasia (tem umas musiquinhas novas deste ano mas eu ainda não ouvi) começa o seu disco de 2004, «Dogs», com a faixa ‘Dear Rose’ onde canta isto: «I hope you’ll think of me as someone who would do anything for you». Parece o limite. Mas não é. Lembra-me o passo mais à frente dado num dos poemas russos mais famosos e populares de Pushkine, ‘Eu amo-te’, um clássico do amor não correspondido, e que termina assim (qualquer coisa como assim, já agora): «Eu amei-te tão sinceramente, tão ternamente,/ que Deus te permita que sejas amada assim por outro»; e tudo isto fixa-me na frase - bem mais positiva – carregada duma bruta simplicidade das personagens de Jonh Banville em ‘O mar’: «Perdoámos um ao outro tudo aquilo que não éramos». Só que seria impossível passar ao lado do que Oscar Wilde pôs na boca de Salomé, e que Mlada Khudoley cantou este ano ao som de Richard Strauss, o trágico e terrível: «Ich fordre den Kopf des Jochanaan». Metáforas; precisam-se metáforas; ‘eu não consigo curar ninguém da felicidade’, como diria (ironicamente) Akhmatova.
Quaresma XXXVIII e nove e quarenta
( e porra que já não aguento mais esta coisa)
E então, dispersos, porque uno: só mesmo Deus.
Amores pré revolucionários
«Embala, senhor, o meu amado até mim, para que não tenha
que lhe enviar o meu choro de madrugada pelo mar»
in ‘A gesta do principe Igor’ , épica medieval russa, (ed Cotovia, pg 33)
Comércios pré berardianos
«O marchand viu-as ( Les demoiselles d’Avignon) depois de Braque e de Derain: o primeiro achara que era como se alguém bebesse petróleo e cuspisse fogo, o segundo que o autor um dia seria encontrado enforcado atrás do quadro.(...)’Lembro-me simplesmente de que imediatamente disse a Picasso que achava as suas telas admiráveis, porque estava completamente perturbado’. Foi o começo de uma amizade.(...) ‘A nossa vida dos tempos heróicos do cubismo era uma vida simples e sem cuidados porque, repeti-lo-ei sempre, estávamos seguros da vitória, estávamos seguros de nós’ (...)mas ‘não sei se hoje seria ainda possível fazer o que eu fiz. A vida tornou-se muito cara’»
De José-Augusto França, num artigo sobre D. Kahnweiler- e citando-o muitas vezes- marchand de Picasso, por ocasião da sua morte e integrado em ‘Quinhentos Folhetins’ (ed Casa da Moeda, pg 223)
Retóricos estados de alma
«Le caractère 'languissant' est un de vices possibles du style. Il vient essentiellement ou d’une sorte de déplétion dans l’expression, dans l’organisation et dans la suite des phrases, ou de répétitions mal gérées, ou d’un un excès de uniformité, ou de la prolixité»
In ‘Dictionnaire de rhétorique’ de George Molinié ( ed ‘Le livre de Poche’)
Outras línguas outras rimas
«No quarto do poeta em desgraça fazem
a Musa e o medo, por turnos, sua velada,
e continua a noite
que não conhece madrugada»
de A Akhmatova em ‘Voronej’ (em russo a rima faz-se entre ‘poeta’ e ‘madrugada’)
Profissões alternativas
« Agora é tudo muito mais fácil. As marcas nas cartas já saíram de moda. Actualmente as pessoas (...) tentam descobrir a chave do padrão na parte de trás das cartas. (...) Numa cidade, cujo nome não menciono, há um indivíduo muito precioso que não faz absolutamente mais nada. Todos os anos recebe várias centenas de baralhos de cartas de Moscovo. Quem lhos manda? É um mistério. A sua principal obrigação consiste em analisar a marca de cada carta e enviar a chave. Observa como são feitos os duques de um baralho e qual a diferença dos outros. Só por isso ele recebe cinco mil rublos limpos todos os anos»
por Utiechitelni, uma das personagens de ‘Os Jogadores’ de Gogol (ed Civilização, pg 124/5)
Pastorais americanas
«Sim, estamos sós, profundamente sós e haverá sempre, à nossa espera, uma camada de solidão, ainda mais profunda. Não há nada que possamos fazer para contrariar isso. Não, por mais espantoso que isso nos pareça, a solidão não nos deveria surpreender. Podemos virar-nos todos cá para fora, mas a única coisa que acontece nessa altura é ficarmos virados para fora e sozinhos em vez de ficarmos virados para dentro, sozinhos. Minha Merry estúpida, minha querida estúpida Merry, ainda mais estúpida do que o teu pai, nem sequer ajuda mandar um edifício pelos ares»
por Philip Roth na dita ‘Pastoral Americana’ (ed D. Quixote, pg 222)
E agora refazer-me-ia, sim, em refinados refastelamentos
«A Regency carved rosewood chaise longue, the back and seat with green and cream striped upholstery, the seat rail and turned tapering legs with lotus carved decoration (201 cm)»
in ‘Miller’s Antiques Price Guide’ – professional handbook - ed 1993, pg 258, preço indicativo 2.500 libras.