Ensaios sobre a soberba


Em tempos passados, o também chamado antigamente, a soberba era esteticamente uma arma, politicamente um desígnio e economicamente uma optimização de recursos. Se considerarmos que alterações estruturais na natureza humana levariam mais tempo do que o nosso olhar histórico alcança, vamos assumir que hoje ainda é assim - apesar das aparências.

Até recentemente interagíamos por necessidade, obrigação, desejo, enfim, o básico. Aplicávamos assim a nossa dose de soberba em ambientes confinados, objectivos definidos e controlo sobre os níveis de aceitação. A soberba obviamente carregava um lastro moral, mas o homem construiu-se constantemente testando sempre novas combinações entre moral e pragmatismo.

Eis-nos então chegados ao agora. A moral deslizou e encaixou-se num cesto de fruta onde já tinham lugar reservado a conveniência, a convenção social, o espírito do tempo e , embrulhada em papel vegetal para poder respirar melhor a, hoje famosa, auto-estima. E assim, com o ‘amemos os outros desde que primeiro nos amemos a nós mesmos’ bem gravado nas novas tábuas da lei, atacamos a vidinha por forma a que em primeiro lugar ‘estejamos bem com nós próprios’: verdade, felicidade e vida embrulhadas num casamento mistico.

Ora dado que nos definimos em função dos outros (sempre foi e será assim) a nossa soberba, que começou por ser uma mácula que carregávamos até que fossemos limpos pela lado misericordioso da morte, transformou-se no chantilly com que cobrimos o morangada que queremos para nós: relações, estatuto, reconhecimento, reconhecimento & reconhecimento. 

A soberba perdeu assim o seu lugar no catálogo de vícios e tornou-se num toque de midas, assumindo diversos nomes consoante os contextos (convicção, vaidade, ambição, amor-próprio, empenho, responsabilidade, e muitos etceteras) dando-nos a maravilhosa sensação do ‘toma lá que já almoçaste’.

(Em oposição, mas em sequência, a humildade foi também perdendo conteúdo, deixou sequer de valer a pena falar dela, sob pena de nem sequer se perceber do que estamos a falar).
Os novos tempos limparam uma moralidade arcaica e criaram (outra vez) um homem novo que se autocompraz igualmente (sempre foi) com pouco mas agora esse pouco é de mais fácil acesso. Evoluímos, sim, porque é muito mais fácil consolarmo-nos e nem é preciso lambuzar os dedos, basta tirar uma foto. 

A verdadeira soberba é hoje um pecado ao alcance de poucos.

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