Almoços Grátis. série 4 [3]



E ao terceiro dia a brincar aos mártires no restaurante, a minha intuição dizia que desta vez é que seria. O restaurante estava cheio e tive de esperar a minha vez. Foi um teste à tática de observado passivo. Um dos empregados mais antigos passou por mim e disse-me: senta-se já na mesa do costume. Ora se há coisa que nunca tive foi mesas-do-costume. Detesto combinações do costume, e L. sabe isso, era uma afronta típica. Iria provocar um desencontro e não queria ficar como a má da fita. Num espaço pequeno, fechado, confinado, é difícil usar o expediente do telemóvel esquecido, mas uma mulher quando despreza gosta de fazer de boazinha. O substantivo incompreendido quando é declinado no feminino tem outro requinte. Já sentado foi-me oferecido um amuse bouche com recado: petinga de escabeche. Não lhes toquei, quis ver a reacção. Nenhuma. Conclui que já estava a jogar o campeonato do desprezo. L. ainda nem sequer tinha aparecido, nenhum empregado tinha feito qualquer alusão a pratos especiais, eu nem sequer já servia para fazer de arlequim. Era um indigente, alguém a quem suportavam pelos serviços prestados no passado à Senhora. Uma refeição social de inserção, um faz-te à vida em forma de escalopes de vitela. A mulher quando muda de homem torna-se uma máquina demolidora de humilhação. Pedi mousse de chocolate antes de tocar no que quer que fosse. Comi-a saboreando o doce como se fossem as batatas marcianas do Matt Damon e saí de queixo empinado para ser atropelado com estilo.

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