Talvez tenha sido a vez que entrei mais hesitante no
restaurante. Sentia que iria apenas demonstrar inferioridade, dependência,
submissão. Todas aquelas marcas que receamos e que geralmente fazem o diabo
tomar conta dos acontecimentos. Para além disso qualquer homem sabe, de cultura
e técnica sólida, que não conquista nenhuma mulher com manobras de aproximação.
Sem dar bem conta de nada já estava sentado a comer creme de cenoura. Saboroso
como se fosse um veneno dócil na mão duma feiticeira. A cenoura acalma-me,
põe-me nos braços da minha mãe, transporta-me para aquele reino de felicidade
estúpida que não sabemos explicar. Era o momento certo para a L. aparecer
porque eu seria irremediavelmente sincero. E assim me apareceu ela à mesa. Mais
gordito, hem? Como aproximação não foi má: não mata, aleija sem sangrar,
rasteira sem fazer cair, abre espaço para uma resposta não comprometedora,
permite um sorriso estúpido mas que parece apenas surpresa, não exige nenhum
coração aos saltos, o corpo pode ficar inerte, e não surge aquela vertigem de
fugir que geralmente todos tememos. Bem, só agora à posteriori é que consigo
fazer estas considerações, na altura, ora na altura, eu tenho sempre uma saída,
qualquer coisa com piada. O maior mito moderno é que as mulheres gostam de
tipos com piada. Só se for para os levarem para as sapatarias. A minha memória
esmagou o que se passou a seguir como quem desfaz beatas ao passeio.
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