Almoços Grátis. série 4 [4]



Talvez tenha sido a vez que entrei mais hesitante no restaurante. Sentia que iria apenas demonstrar inferioridade, dependência, submissão. Todas aquelas marcas que receamos e que geralmente fazem o diabo tomar conta dos acontecimentos. Para além disso qualquer homem sabe, de cultura e técnica sólida, que não conquista nenhuma mulher com manobras de aproximação. Sem dar bem conta de nada já estava sentado a comer creme de cenoura. Saboroso como se fosse um veneno dócil na mão duma feiticeira. A cenoura acalma-me, põe-me nos braços da minha mãe, transporta-me para aquele reino de felicidade estúpida que não sabemos explicar. Era o momento certo para a L. aparecer porque eu seria irremediavelmente sincero. E assim me apareceu ela à mesa. Mais gordito, hem? Como aproximação não foi má: não mata, aleija sem sangrar, rasteira sem fazer cair, abre espaço para uma resposta não comprometedora, permite um sorriso estúpido mas que parece apenas surpresa, não exige nenhum coração aos saltos, o corpo pode ficar inerte, e não surge aquela vertigem de fugir que geralmente todos tememos. Bem, só agora à posteriori é que consigo fazer estas considerações, na altura, ora na altura, eu tenho sempre uma saída, qualquer coisa com piada. O maior mito moderno é que as mulheres gostam de tipos com piada. Só se for para os levarem para as sapatarias. A minha memória esmagou o que se passou a seguir como quem desfaz beatas ao passeio.

Sem comentários: