Almoços Grátis. série 4 [1]



Mais de dois anos passaram desde a última vez que lá fui. O restaurante tinha feito ligeiras adaptações à decoração mas que me causaram um imediato efeito de dejà-vu. Sentei-me rapidamente para não alimentar os olhares. Peguei na ementa e fingi interesse em lê-la. Ninguém ousou aproximar-se. Estive assim mais de 5 minutos. Parecia um génesis sem criação. Sabia pouco da vida de L. durante estes anos e estava curioso. Fixei o olhar num ponto junto da entrada e fui interrompido por um empregado novo que vinha com espírito de missionário. As novidades estão aqui, lançou-se. Prefiro um clássico para começar. Faz bem, a Srª também me avisou que seria essa a sua escolha. Então L. agora era a Senhora - o que me deixou intrigado. Onde há Senhora há Senhor. Bem, lá para a sobremesa talvez já estivesse mais esclarecido. Comi um folhado de bacalhau que vinha acompanhado com uma espetada de tomate cherry com pérolas de mozarela de búfala. Via-se que esta variante de acompanhamento trazia qualquer código. Talvez fosse uma predilecção do Senhor. Eu detesto tomate cherry e L. sabe bem disso. Estava dada a mensagem: o tempo passara e eu passara com ele. Comi com o coração sintonizado em modo raiva. Saí rápido, sem sobremesa, sem café, como um Noé a sair da Arca com o rabo entre as pernas depois de não ter havido sequer um aguaceiro. Nem esbocei a intenção de pedir a conta, também já esqueci se o fiz para testar a reacção se foi apenas por pura desorientação. Dos distraídos é o Reino dos Céus, já se sabe.

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