O amor em tempos de acordos



Para os devidos efeitos. Dar-nos-emos sempre bem nos dias úteis pares e aos fins-de-semana discutiremos as miudezas que não interferem directamente com os temas religiosos ou hormonais. O amor é subentendido, assim ficou indizível e claro desde o início; quando for facilitador, por mim tudo bem põe-se no tablier, se atrapalhar fica da bagageira. Fixemos então o comportamento dos dias ímpares. Reclamações aos dias 15 e se coincidir com a lua nova temos direito a insulto sem pré-aviso. É o tal poder libertador do insulto, e se estiver previsto nem magoa nem nada, a técnica tem essa coisa boa da amoralidade que nem sequer desmoraliza. Nos dias de nºs primos podemos testar o sexo alternativo, aquele tipo de sexo em tempos de cólera nos quais tudo é de vida ou de morte. Nesses dias não nos falamos, um sisudo erótico, se houver algo para dizer será por mail ou whatsapp; sms, não, isso é coisa de excitação doentia, de namoradinhos com coleira, e mútuas estimações não estão no nosso âmbito. Saberemos odiar-nos decentemente nos dias 13, indo logo directos aos passados menos nobres, aos danos irreparáveis, às palavras mal medidas, às ausências sem explicação, por esta ordem. A irritação com método é remédio. O dia mais importante é o nove, o dia dos caprichos, mês sim-mês não cada um exige o que quiser ao outro sem qualquer possibilidade de negação. O único limite é o estabelecido por escrito pela santa madre igreja no capítulo das palavras passe do inferno. A meio do mês poderemos brincar aos amores não correspondidos, duas cápsulas de lírica uma colher de tragédia. Se a lua cheia calhar em dia ímpar torná-lo-emos par e será dedicado a dizermos ostensiva e orgulhosamente bem um do outro, como se fosse uma récita de virtudes, um galanteio desinteressado, uma boa-criação sentimentalmente assistida. E nos múltiplos de 10 faremos recapitulações: o melhor beijo, a melhor foda, o melhor queijo, o melhor whisky com soda. E nos dias terminados por três exorcizaremos os receios do amor, um de cada vês: que o amor não exista, que o amor se vá embora, que o amor nos cegue. Nos dias aqui não previstos , controlar-nos-emos com olhar vítreo e a vida seguirá o seu livre arbítrio.  E tudo isto será facultativamente obrigatório sob pena de cairmos na tentação de adoptarmos um peixinho.

Sem comentários: