Estava um dia de sol abundante que entrava pelas janelas do
restaurante ajudando a desenhar figuras geométricas de sombra por entre as
mesas. Nada de artisticamente empolgante mas o suficiente para me distrair do
essencial que era: comer. Devia estar há uns quantos minutos a distribuir
olhares vazios pela sala quando me vêm exigir uma escolha de menu. Apontei para
a cartolina plastificada e colorida sem olhar e pouco tempo depois apareceu-me
a rapariga dos molhos com uma cabeça de pescada estendida numa travessa e um
sorriso também travesso a atravessar-lhe a cara, da rapariga, não tanto da
pescada. Teria mesmo apontado para aquela escolha ou seria ela a aproveitar-se?
E traria aquilo alguma mensagem implícita? Ficámos a olhar um para o outro
durante alguns segundos, cada um tentando sacar algum sinal que lhe servisse,
mas julgo que quem nos visse asseguraria estar a observar um casting para
múmias. Faço muito bem de múmia, benza-me Deus, eventualmente farei até um cadáver
digno, mal empregado para crematório. Mas, na altura, presenciando o
espectáculo dado pela corvina, não pensava nisto, fabulava apenas analogias
possíveis para aquele prato e só me aparecia o bom do S João Baptista à
imaginação. Seria essa a mensagem? Todos teremos uma Salomé à nossa espreita? O
currículo duma mulher far-se-á com as cabeças que cortou ou com as cabeças que
desprezou? Pedi um kiwi e larguei o pasto ainda a contar as grainhas esquecidas no céu-da-boca.
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