Ontem era, e foi, dia da espiga. Entrei no restaurante com
um estado de espírito animado, levando o bilhete no bolso de fora do casaco,
ali à mão de semear mas de forma a poder fazer aquela encenação do que ‘não sei
bem se o trouxe ou onde o pus’ se tal viesse a ser necessário. Todas as mesas
tinham um toque decorativo alusivo ao dia (tentará a L. exigir da decoração
aquilo que o coração não lhe dá?), ora uma espiga, ora um malmequer, ora uma
margarida e preparava já para me sentar numa qualquer quando a
rapariga-dos-molhos me dirige, sem possibilidade de apelo, para uma mesa que se
destacava com uma certa imponência por ter um ramo completo e rico a servir de
astro rei no centro. Uma mesa com dois pratos postos: «Hoje vou-lhe trazer um
rolinho de carne especial». Fiquei semi anestesiado, com a imaginação a dar
mais voltas do que um encefalograma conseguiria apanhar, e procurando pela sala
todos os sinais que me pudessem indicar se iria acontecer alguma coisa que alterasse
o meu futuro, ou até o passado, quem sabe. Veio o dito rolo de carne, com o
previsível molho de orégãos, e eu fui saboreando-o qual palatofílico compulsivo
à procura de algo que me dissesse que a L. o tinha preparado para mim (para nós
?). Entretanto o outro talher da mesa foi-se mantendo sem comensal, e o prato vazio
ia-se rindo para mim dizendo: ‘lembras-te daquele outro dia da espiga, há uns
anos atrás, em que ficaste à minha espera e eu não apareci?! Devias ter
percebido que era uma premonição, e que eu algum dia te deixaria apeado. Talvez
hoje percebas’. Entretanto a L. apareceu, vinha servir a uma das mesas uma
garrafa de tinto da casta Nero d’Avola, um vinho brilhante, da Sicília, que eu
adoro, mas ela nem sabe. Também não pode saber tudo. Passou os olhos por mim
como se eu fosse uma sombra de crepúsculo, franziu o nariz e voltou para a
caverna onde certamente estará algum cabrão dum Platão. Quando saí do
restaurante estava convencido que isto já só lá vai com a suprema prova de
todos os amores: o ciúme. A universal, exclusiva e infalível forma de saber se
alguém gosta de nós. Foda-se, é que por mais voltas que se dê, apenas na
bancada do ciúme se pode comprovar a experiência do amor. Até o microscópio dá
saltos.
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