Não se pode dizer que hoje me tenha sido fácil ir lá
almoçar. Devo ter entrado de cara carregada pois duas ou três pessoas
fixaram-me o olhar e também não posso ser assim tão feio. Lembro-me que ia a
pensar que aquele restaurante tinha respondido bem aos dias difíceis da
austeridade. Não sei se era engenho ou arte mas havia até uma sensação de
prosperidade crescente a impregnar muitos detalhes que definem uma casa
daquelas. A L. tinha vestida uma saia burberry ligeiramente travada, uma blusa de
seda creme bem cintada e via-se que tinha acabado de chegar de algum local que
a tinha feito feliz. Se é de senso adquirido que se correm riscos
desnecessários ao regressar a um local onde já fomos felizes, por outro lado
devia ser aconselhável voltar a um sítio onde já fomos infelizes e que nos
traga memórias desagradáveis, para fazer uma certa purga de maus passados, por
assim dizer. Não sei se terei coragem de abordar a L. com um pretexto destes, assim
tão vago e quase literário, ainda estou, digamos, com pouca confiança. Com quem
é que ela teria estado. A escolher legumes é que não tinha sido de certeza. Pedi
um folhado de marisco, algo também novo nesta ementa, se bem que já o tivesse
provado em tempos distantes. Hoje a minha réstia de intuição dizia-me que ela
se aproximaria de mim, se calhar até foi por isso que inconscientemente escolhi
aquele prato, tentando demonstrar apreço pelas suas mudanças de menu. Não há inconsciente
mais bem treinado que o meu, é tão tão treinado que às vezes até parece
consciente. Como é que se cativa uma mulher? Como? Quando ela passou perto da
mesa saiu-me isto: «Olha que este prato está óptimo mesmo». Respondeu na ponta
da língua: «Ah, foi ideia do Óscar!». ‘Óscar’, foda-se! Que raio de nome é
este? Quem é este gajo? O Otelo é que tinha um nome de código ‘óscar’ durante a
operação do 25 de abril! Será que ouve aqui alguma revolução e eu estou a fazer
de marcelo caetano? Entornei o café em cima da camisa, deixei cair a cadeira ao
levantar-me, bati com a cabeça na porta de vidro da saída que estava fechada, e
obviamente tropecei no passeio. A rapariga dos molhos estava cá fora a fumar e
ainda a ouvi dizer-me: Para a próxima não seja tão possessivo e descolonize a
tempo.
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