Encontraram-se num restaurante que ocupava o espaço ao lado
da galeria. Era um restaurante popular, com uma clientela fixa e onde nem
Arménio nem Áurea, curiosamente, alguma vez tivessem entrado. Não seria o local
mais aconselhado para uma conversa de reatamento, ou balanço, ou até de
reconciliação, mas foi o que ela escolheu, e mais uma vez ele,
inexplicavelmente, se mostrou incapaz de a contrariar. O prato do dia era
cozido, um grupo de padres e seminaristas ria-se numa mesa próxima, como que
querendo demonstrar que sob determinadas condições afinal a carne vale, por
mais fraca que possa ser. Seria a carne algo que os unia ou os separava, pensou
Arménio enquanto observava o excesso de formalismo de Áurea. Ainda ele não se tinha refeito de uma certa estranheza
em relação ao seu comportamento, quando ela o convidou a sair e a darem uma
volta pela rua. Passaram por uma loja de sofás e entraram, ela queria renovar a
decoração do seu escritório e pretendia comprar uns sofás para o seu gabinete -
para alguns clientes especiais se sentirem mais à vontade, estás a ver? Ele
estava a ver tudo. Lembrou-se do dia em que a vira pela primeira vez,
lembrou-se do primeiro dia em que ela lhe embrulhara o primeiro não, lembrou-se
do primeiro beijo que lhe deu a medo, lembrou-se dos repetidos calculismos dela,
lembrou-se das aguarelas que ela lhe devolveu, lembrou-se das certezas que
tinham trocado, lembrou-se daqueles momentos longínquos em que todas as dúvidas
pareciam estar dissipadas. Ela subiu para o escritório e ele continuou a descer a rua, passando para o
lado dos números pares. Poderia ser que ela ainda lhe viesse acenar à janela. Não
veio.
Ela telefonou-lhe passado uma semana, disse-lhe que naquele
dia quisera perceber se estava preparada para o receber outra vez no
escritório, de voltar a trabalhar com o portfólio dele, e tinha ficado contente
por concluir que ainda sentia o mesmo por ele. Achara-o distante, mas queria
saber se ele estaria disposto a pintar uma nova série de aguarelas a ilustrar
uns poemas que ela escolheria. Pintar só para ela - como nos velhos tempos.
Fazê-la rir - como nos velhos tempos. Ele nem sabe bem o que respondeu. No dia seguinte Arménio dirigiu-se ao
restaurante do 9B. O prato do dia era cozido outra vez mas os padres tinham ido
pregar para outra freguesia. Enquanto se encostava no balcão viu passar um sofá
novinho em folha para o escritório de Áurea e pensou que tinha guardado uma
aguarela que calharia bem na parede que recebesse aquele couro em tons de terra
barrenta. E foi nesse preciso segundo que descobriu que não passava de um
parvo. E que merece um parvo?
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