a (refundação da) mulher de confiança #1 - a bandelette


Qualquer homem num determinado momento da sua vida precisa de ter uma mulher de confiança. Seja qual for a posição formal que ocupe na sua vida (cuidado que as mães nunca são de confiança) trata-se de alguém em que ele possa encontrar aquilo que não tem, nem nunca terá, por força duma fatalidade que se dá pelo nome de natureza. A mulher, sem deixar de ser também uma construção social e cultural, (como o homem, de resto, mas este menos) encerra em si um pouco daquilo que apenas a religião consegue fornecer com estilo, ou seja: o mistério. Apesar de Pessoa ter alertado para que «o único mistério é haver quem pense no mistério», é impossível fugir à inegável capacidade que a mulher tem em se constituir numa espécie de metafísica com pernas ( e mais qualquer coisa de bónus). A mulher, ciente dessa sua característica desde muito tenra idade, (mantendo-se, muitas delas, inclusive tenras por muito tempo) tem uma forte tendência para lhe ir acrescentando muitos outros atributos que acabam por diluir o papel peri-religioso que recebeu das entranhas da criação. É assim para o homem uma tarefa de primordial importância saber discernir de todas as mulheres que as circunstâncias lhe colocaram no caminho, qual ou quais as que podem ser realmente a sua ponte, a sua ligação ideal, a sua chave, a sua ignição. Como a mulher é extremamente permeável às iconografias de camuflagem, isso acaba por permitir ao homem construir uma espécie roteiro de decifra que funcione como descodificador de bolso. É desses sinais (mutáveis e vulneráveis à dissimulação feminina, claro) que aqui falarei, nestes momentos históricos em que se irá definir qual o tipo de mulher a que temos direito.

O primeiro que me parece consensual é o uso de bandelette. A gestão (da forma) do cabelo é uma das principais rotas de definição do humano ( o animal, por exemplo, pode arranjar as unhas ou garras mas não se auto-penteia) e a mulher forçosamente não consegue fugir a esse processo. Com maior ou menor consciência o seu penteado vai transmitir aquilo que ela é, e, mais precisamente, é para o homem. Ora a bandelette é um instrumento de eleição para a mulher emitir um sinal inequívoco de que: tem a consciência de que é um ser-da-selva mas que se sabe controlar. A mulher bandeletizada prova com esse adereço que saberá constitui-se num acondicionador para o lado desregrado do homem e que saberá estar ao lado dele quando for preciso atravessarem o rio, esteja ele cheio de predadores ou apenas com uma corrente mais forte. O homem poderá confiar nela pois nunca deixará que o vento lhe leve o cabelo a tapar a vista, a mulher com bandelette nunca perderá a perspectiva, nunca se deixará ficar presa em nenhum ângulo morto ou arame farpado. Por outro lado, a mulher-de-bandelette não vai perder tempo a cortar franjas, a endireitar linhas de penteado nem a empinar caracóis (tendo até mais disponibilidade para empinar outras curvas), será sempre uma mulher prática que não deixará o homem perder-se em divagações, em pensamentos inúteis ou de uma futilidade castradora. A mulher de bandelette não terá a tentação de soprar a cortina de franjas, será muito menos atreita a usar rabo de cavalo (o enfeite mais enganador para o homem), e nunca deixará avolumar em excesso o seu cabelo, ou seja, manterá a sua nobreza sempre conservada num banho de sobriedade. Sendo a mulher bastante atreita às limitações impostas pelas convenções sociais (muito mais que o homem) o uso da bandelette evidenciará que ela é das que, compenetrada nessa sua histórica fragilidade, saberá pôr o homem que confia nela acima de todas as luxúrias de condição ou liturgias de ilusória libertação.
Podemos, pois, afirmar com alguma segurança, e sem recorrer a discurso fácil ou de cassete, que uma mulher em estado-de-confiança provavelmente usará uma bandelette.

2 comentários:

maria disse...


bem, o suposto mistério feminino continua a alimentar a literatura...

beijinhos, mestre. ;)

aj disse...

Beijinhos :)