{texto dedicado à C.
do Malone & o caneco}
1. introdução
A riqueza é um fenómeno muito estudado em várias das suas vertentes
e inclusivamente encostas - há até fenómenos de enriquecimento baseado em
encostarmo-nos a alguém já de si rico. No entanto, faltava uma análise não só
mais cirúrgica e que entrasse realmente naquela brecha da realidade que surge
quando ela leva um traumatismo, mas também que soubesse separar o trigo do
joio, principalmente nestes momentos em que já se tem de fazer muito papo-seco
com grande percentagem de joio.
2. causas
Sem prejuízo de estarmos a cometer o pecado de excesso de
simplificação poderemos dizer que a causa do enriquecimento é a vontade de
agradar. Em geral, e em primeiro lugar, o enriquecimento surge do movimento de confluência
de duas pulsões: a pulsão em satisfazer e a pulsão de necessitar: geralmente o
primeiro a chegar à necessidade fica insatisfeito, e vai enriquecer quem
aparece a satisfazê-lo. Ou seja, a riqueza está em relação directa com a
contenção da necessidade.
Mas tal processo não explica tudo, ou seja, quem nada
necessita não fica obrigatoriamente enriquecido, pode até desvanecer; surge
então a segunda causa: o enriquecimento como selecção. Explico, há que saber
escolher qual a necessidade que se quer satisfazer, pois sempre houve por aí
muita necessidade que não rende quase nada, ou seja, a melhor necessidade é
aquela que cruza com o capricho, pois assim torna-se mais exigente e remunera
melhor a satisfação; trata-se do mecanismo da 'falsa gratificação': paga-se
julgando que se está a agradecer.
Por último, o ciclo do enriquecimento fecha-se com o
fenómeno da acumulação. A acumulação é o climax da repetição. Explico: a mera
repetição origina o desgaste, a repetição com acamamento, a acumulação, origina
riqueza.
Síntese: O enriquecimento é causado por três factores: a)
confluência de necessidade com satisfação; b) selecção das melhores
necessidades; c) acamamento de satisfações
3. consequências
A principal consequência do enriquecimento é o
enriquecimento. Trata-se do conhecido fenómeno da auto-suficiência, que na
filosofia económica se chama de sustentação e na carpintaria se chama de
assentamento. Explico: o enriquecimento produz ricos, os ricos produzem riqueza,
a riqueza produz enriquecimento: estamos na presença duma ejaculação
auto-sustentada.
Ora, todos os metabolismos auto-sustentados produzem - pelo
efeito da força centrifuga de autosustentação - um vácuo na periferia; a esse
vácuo, no caso em análise, geralmente chama-se pobreza, ou miséria, também
vulgarmente conhecidas por «situação de merda» e referidas nalguma literatura técnica
como shit happens. introduzindo assim
de caminho a noção de efeito colateral. O que distingue o 'efeito colateral' da
'consequência' é que geralmente o efeito colateral não cheira tanto.
Síntese: o enriquecimento é auto-suficiente mas gosta de ter
room service ao dispôr.
4. factos
O enriquecimento é em si um facto, ou seja, como ideia o
enriquecimento não surte especial interesse, e é substituído com evidente
vantagem por ideias melhores como a sublimação, a cristalização, ou mesmo o
próprio chantilly.
A História do enriquecimento é pontificada por vários sinais
concretos que, mesmo evoluindo ao longo dos tempos, fornecem um padrão bem
definido, com o famoso triângulo egocêntrico: corte, bajulação & felacio.
Há ainda que referir o fenómeno do falso enriquecimento. Esta corruptela do enriquecimento
caracteriza-se pela quebra de um elemento essencial: privilegia a bajulação em
detrimento do êxtase. Foram inclusive registadas ocorrências em que 'o
enriquecido' prefere um lagostim mal cozido em detrimento dum linguado bem
grelhado.
Síntese: A energia mais ligada ao enriquecimento é o calor
humano que ele atrai.
5. reviravoltas
Este capítulo poderia também chamar-se os 'Senãos das Belas',
mas impunha-se seguir a apuradíssima caracteriologia utilizada por C. Todo o
enriquecimento que se preze tem o seu momento de inversão. Retomando a metáfora
mecânica da centrifugação, observamos ciclicamente que dentro das zonas de shit happens, que rodeiam as de
enriquecimento, se vão formando pequenas bolsas de bedum que, ao se despegarem,
provocam deslizamento nas bordinhas das zonas de enriquecimento de tal forma
que estas começam a patinar e a inverter o movimento. Chama-se a este processo
o 'retrodriving', também conhecido na gíria da ergonomia económica como o
'torcicolo de budget' que geralmente resulta nos famosos thermidores de consciência,
ou brumários de pescoço. Qualquer fenómeno de enriquecimento que se preze deve
ter associado momentos de retrodriving
que servem para filtrar impurezas nuns casos, para dar balanço noutros ou,
finalmente, para dar tempo às moscas para escolherem melhor em que bosta vão
poisar.
Síntese: o maior inimigo do enriquecimento é o enriquecimento; o maior amigo também.
6. conclusões
Antes de concluir propriamente, importa precisar alguns
conceitos, designadamente aqueles que podem introduzir confusão, como os dos mecanismos
do poder, distintos dos do
enriquecimento. O poder leva ao saque (geralmente praticado por entidades
públicas ou parapúblicas), e o saque diferencia-se do enriquecimento pois
conduz a um mero processo de acumulação, não possuindo as componentes essenciais
da dupla necessidade-satisfação, nem muitas vezes da própria selecção, pois com
frequência vai tudo a eito.
Feita esta pequena derivação explicativa, imposta deixar
claro que a história mundial do enriquecimento tem um claro fio condutor, por
um lado: o binómio mar-rocha exige mexilhão; por outro lado: o ensopado de
enguias exige enguias. A História do Enriquecimento faz-se das enguias que
melhor se ajeitaram ao ensopado e dos mexilhões que estavam agarrados à rocha
no pior momento da maré. Circunstância, Destino, Vontade e Inveja, compõem a
quadriga (as troikas estão muito batidas) peri-existencialista do
enriquecimento, são estes os pistons do motor da sua história. A embraiagem é a
Angústia da Pelintrice. Como em qualquer combustão, só será verdadeiramente
rico quem souber destruir para enriquecer.
Resumo do trabalho de fundo de Ernesto Mourão, 'História
Mundial do Enriquecimento', publicado no número especial de Natal da Revista O
Badanal em 2015
2 comentários:
muito esmerado :D, agradece ao ernesto por mim
será entregue
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