«A primeira varejeira apareceu muito antes de os primeiros
vermes terem sido avisados da ocorrência. Os raios do último sol do dia
refractavam pela janela dentro e incrustavam-se nas cartilagens mais expostas
criando aureolas dum brilho de cristal. A boca mantinha-se aberta parecendo
reter uma frase espirituosa, o olhar era ainda de interesse pela vida mas a
postura do tronco já desenganava qualquer diagnóstico mais optimista. A tripa ondulada
esboçava um tímido assomo pela fresta que se abria no imponente ventre mas não
chegava a instigar nenhuma curiosidade mais exigente. Quando a luz da Lua grávida
despontou, um serviço de porcelana ainda a desenvencilhar-se do embrulho quis
recebê-la com a distinção que merecia, mas deitada na bancada pouco mais havia
que aquela bela cabeça de pescada.»
in Colchão de Noiva, de Flaubert Queirós, Edições Cacimba,
2013
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