«No dia em que o circo fechou, Julio Facada levou a sua
cadela ao veterinário para a desparasitação, era um luxo para as circunstâncias
do momento, mas Filipinha seria tratada como uma princesa até que lhe fosse
possível. Já Rogério Fantasia dedicou as suas últimas horas na tenda gigante a
limpar as bostas de Filipão, o Elefante mais velho e amestrado, que conseguira vender à
justa a um circo checo e que tinha andado de diarreia nas últimas semanas, sensibilidades
de animal, nada que não tivesse também acontecido a Nabucodonosor, um tigre com
sete anos que acabou por ser praticamente oferecido a uma empresa de eventos e
publicidade que tinha várias contas para multinacionais de champô. Enfim, a
bicharada praticamente toda tinha encontrado um destino decente, até a dupla de
macaquinhos, Saraiva e Gonzaga, tinham conseguido impingir a um contrabandista
de animais ali com uma loja de fachada de selos e moedas junto à Paiva Couceiro.
Aparentemente tinham ido num lote com três catatuas e um pavão roubado no
jardim da estrela para um condomínio privado de banqueiros islandeses na
Escócia. O que se aproxima mais da vida é o circo, todos na hora da despedida
se lembravam desta máxima do fundador do circo, o velho Mariano Cacete, um
equilibrista, mágico e faquir como o mundo nunca mais vira igual e que ainda hoje põe
as velhas do lar todas malucas, ali num edifício rosa velho junto do Poço do Bispo,
quando pega em três garfos e levanta a dona Zulmira à altura do candeeiro da
sala da televisão enquanto o Goucha entrevista um sacristão de Tondela que faz
tarte de maçã com os restos das hóstias que se desfazem antes de consagrar.»
in Sorte Macaca, de Custódia Passos, edições Choco com
Tinta, 2013
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