Últimos Parágrafos #6


«A memória dos seus beijos era já uma coisa longínqua, mal os distinguia de simples amostras de perfume, perdera para sempre aquela sensação única do contacto, fosse tímido fosse brutal, com a sua pele, o coração desabituou-se de batidas galopantes e nunca mais teve apertos de peito provocados pela espera, pela aproximação da despedida, pelo anúncio da chegada. Regressava agora ao ser amorfo do qual pensara nunca mais vir a pertencer, teve de repescar uma essência perdida, vasculhar nos confins da capacidade de nada sentir e voltar a militar na suas teorias de desprendimento científico. Teve-a ali, nas suas mãos e deixara-a fugir, nem sabia se para outro se para ninguém, só sabia que já não a tinha, o resto não interessava, descobrira que o nada é afinal a outra face do tudo num mundo onde o meio termo é uma ilusão de óptica.»

in Fim de Tarde, de Salvador Alves Arinto, edições Fuligem, 2013

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