«A memória dos seus beijos era já uma coisa longínqua, mal
os distinguia de simples amostras de perfume, perdera para sempre aquela
sensação única do contacto, fosse tímido fosse brutal, com a sua pele, o
coração desabituou-se de batidas galopantes e nunca mais teve apertos de peito
provocados pela espera, pela aproximação da despedida, pelo anúncio da chegada.
Regressava agora ao ser amorfo do qual pensara nunca mais vir a pertencer, teve
de repescar uma essência perdida, vasculhar nos confins da capacidade de nada
sentir e voltar a militar na suas teorias de desprendimento científico. Teve-a
ali, nas suas mãos e deixara-a fugir, nem sabia se para outro se para ninguém,
só sabia que já não a tinha, o resto não interessava, descobrira que o nada é
afinal a outra face do tudo num mundo
onde o meio termo é uma ilusão de óptica.»
in Fim de Tarde, de Salvador Alves Arinto, edições Fuligem,
2013
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