Últimos Parágrafos #4


«O diabo saiu-lhe do corpo pelas três da tarde. Aproveitou e foi beber uma cerveja bem gelada testando de caminho em que estado lhe tinham ficado as entranhas. A primeira sensação foi boa, afinal o diabo deveria ter passado o tempo apenas em zonas mais subidas, e o paladar também não o traiu, exceptuando um certo travo exagerado, mas esperado, a enxofre. A ultima golfada foi acompanhada duma ave-maria mental, uma espécie de oração de circunstância mas eficaz. No pires ainda jaziam uns quantos cajús, que de forma súbita começaram a exalar um odor bafiento e acre. O diabo esconde-se nos aperitivos, riu-se. Sentia-se verdadeiramente aliviado, tinham sido dois anos de convivência controlada com o maligno, sem subsídios, sem nenhuns apoios, contra a opinião de todos, sem nunca saber ao certo onde estava metido, diga-se, mas guardara a última moeda no forro das calças para o exorcismo e vencera a tentação de a trocar por um arroz de lampreia; afinal um arroz de lampreia não passa dum arroz de lampreia e uma alma sem diabo ainda é um mar de oportunidades.»

in Infernizar, de Dário Carneiro, edições Choco com Tinta, 2013

2 comentários:

Anónimo disse...

sobretudo gosto da cerveja bem gelada

aj disse...

sim, a cerveja faz toda a diferença