«A graxa já estava em grânulos, muitos anos tinham passado
desde a última vez que tinha aberto aquela lata. Olhou para os sapatos
castanhos com a mesma complacência com que tinha escrito a sua carta de
demissão, e tomou consciência de que começara agora a ser mais um homem a carregar
a sua insignificância, despido da influência que tinha exercido de forma
implacável. Quase por reflexo cuspiu para o coiro seco e reparou que afinal
quase tudo precisava duma boa cuspidela antes de ser começado. Imolara-se no fogo do esquecimento para salvar
a pele a um presidente eleito por meia dúzia de votos manipulados, mas quem
cospe por último cospe melhor, foi a resposta final da sua consciência bem treinada
para produzir consolações de recurso.»
in Surto de Sorte, de Jaime J. Jardim, edições Derrapagem,
2013
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