Prepucionismo

O ano de 2037 ficou definitivamente marcado pela fusão do Nobel da economia com o Nobel da literatura. A fundação quis assim dar um sinal aos génios em geral e ao povo em particular que o talento está pelas horas da amargura, pelo que todos se deveriam empenhar em render simultaneamente nas várias frentes. Por outro lado já se tinha dado a fusão do nobel da química com o da paz em 2036, na ocasião premiando a descoberta da nova técnica de desfrisado de cabelo com bromato de enxofre em vinha d'alhos e que permitiu a terroristas subsarianos discursar na assembleia das nações unidas.
Os trabalhos de Gualter Besugo Pai foram bem acolhidos pelo comité sueco, e não foi assim com grande espanto que um português inaugurou este novo ciclo dos Nobeles em formato bitoque. Em causa esteve a singular análise do trajecto não menos singular da economia portuguesa que, na ressaca da falha dos subsídios de natal entre 2011 e 2015, se alcandorou em poucos anos à posição de líder em índices de desenvolvimento, designadamente no famoso Indice de portugueses per capita. 'Em cada Português há um português' foi um dos títulos do trabalho visionário de Gualter Besugo que, num cruzamento de bildungsroman com tese de microeconomia demonstrava as relações entre o encaracolamento precoce do pintelho e a eficiência do factor trabalho, logrando trazer para a cultura ocidental a noção de 'irra-cio-nalidade', um conceito revolucionário pela sua simplicidade e que deriva do enunciado semi-reflexivo: «irra que os credores parece que estão com o cio», e acabou por constituir um factor determinante na recuperação portuguesa, muito bem ilustrado pelo comportamento duma personagem do citado romance, a moura Firmina, que de manhã era douta senhora e à noite atrevida menina. O cruzamento da literatura com a economia já tinha sido ensaiado com algum sucesso através de Velasco Porfírio Vicente, mas com Gualter Besugo Pai conseguiu chegar a patamares gloriosos, permitindo que enredos com escassos recursos obtivessem vantagens competitivas através de dramas psicológicos em matriz neo-depressiva. Noutro dos seus romances, 'A Máquina de fazer caracóis', Gualter aproximou-se mais do roman fleuve em que a sociedade portuguesa é vista como um fluxo contínuo daquilo que ficou conhecido como as 'neuras criativas' - desmontando e reformulando o velho postulado de raizes schumpeterianas - e no qual as personagens mais marcantes faziam monólogos interiores à la molly bloom, descrevendo modelos econométricos onde, por exemplo, o código do multibanco era uma percentagem fixa do NIB e deixando o leitor desejoso de vir a falecer num campo de relaxamentos forçados onde libertava o miolo das caracoletas e o servia a clientes oriundos de países com excedentes comerciais, a troco de promessas de crédito vasto, fácil e infinitamente reestruturável. No entanto, esta troika conceptual só ficou completa quando à 'irra-cio-nalidade' e à 'neura criativa' se lhe juntou a 'baba facilitadora', brilhantemente apresentada no seu livro 'Uma Viagem à Pívia', onde o obsceno e o burlesco deram as mãos e revelaram ao mundo todas as capacidades de auto-motivação do povo português, com o aliciante adicional de incluir a primeira descrição formal e teórica da hoje famosa 'Taxa Tolkien', que introduziu com sucesso a tributação universal à utilização de anéis, pulseiras, brincos, piercings e restantes berloques. Com o seu elevadíssimo Indice de Portugueses per capita, Portugal tornara-se um caso de sucesso a partir da segunda metade da primeira década do novo século e Gualter Besugo Pai soube caracterizar com distinção e mesmo nobreza as razões desse sucesso, sem nunca deixar de o fazer no seio (não siliconizado) de uma escrita que se veio a apelidar posteriormente de 'lirismo rigoroso', pois combinava a perturbação inerente a personagens perturbados com o deslumbramento inerente a personagens deslumbrados sem esquecer a angústia inerente a personagens angustiados ou até o remorso inerente a personagens remordidas. «Num país em glande», terminava sempre assim Gualter os seus romances, «o segredo será não puxar com muita força».

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