Passou uma semana e voltei lá. Fui com o J. que me trazia novas da Índia. Ter um tema certo de conversa, algo que me prendesse a atenção sem esforço, era absolutamente essencial para um dia como hoje. Se aqueles dois anos não tivessem transformado L. tratar-me-ia como se nada fosse. Senti-a triste e a tristeza não acompanha bem os diagnósticos. Já não fazia de recepcionista, mas não me ligou nenhuma. Decepcionista então. J. tinha-se apaixonado por uma indiana de voz doce com quem eu já fizera dois bons negócios, Saadi, e que apenas conheço de telefone. Disse-me que ela tinha uma beleza serena, ora, só faltava que fosse uma indiana maluca. J. percebeu que eu estava irónico em excesso para uns salmonetes. Detesto salmonetes. Agora toda a gente gosta de salmonetes. Por quê essa cara, perguntou-me L. à saída. A partir de hoje pelo menos tenho cara; menos mau.
Imagino que tenhas voltado pelas uvas, não me parece que te deixes seduzir por raposas. Mas talvez me engane, já todos corremos atrás de um olhar traiçoeiro. Trazes contigo o teu amigo de cara larga e tranquila, "Excelente", penso com os meus botões, "assim não olhas para mim como se me verrumasses." Rodei na sala, troquei de lugar com o Carlitos e quis crer que te ofereci paz. A paz de que eu precisava. O Carlitos tem um fraquinho por ti, um destes dias leu-me um poema que me pareceu homoerótico num livro com o título "Desobediências" e perguntou-me se gostarias. "Acho que não", respondi, "mas na alma de um homem há muitas almas que se encaixam como as matrioskas, e algumas são inacessíveis". Tive pena do Carlitos, sabes? Por essa ilusão mas também porque se apercebeu que não deste o devido valor aos salmonetes que escolheu, um a um, para ti. Engraçado, sou tão egoísta que nunca te ofereceria salmonetes. Porque não os aprecio, sabem-me a quase nada ou a fénico e têm demasiadas espinhas mal localizadas. Lamento que tenhas recusado o sorbet de lima que sugeri ao Carlitos para te indicar. É acre e doce, clarifica o paladar e refresca a alma. "Porquê essa cara, Sr. Doutor?", perguntei-te com intencional ironia, "Volte sempre, amanhã há filetes de peixe-galo com arroz malandrinho. É um prazer inexcedível meu tê-lo entre nós". É. Também haverá caras e línguas de bacalhau mas essa informação fica reservada. Até ao teu regresso.
L.
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