Hoje tinha fome. Comigo ia a R. que se tinha separado do marido e me queria contar as últimas da sua guerra pelo controlo da fancaria. Gosto de ir com outras mulheres para lhe fazer ciúmes, mas fico sempre com a merda de sensação que não lhe faço ciúmes nenhuns. Comemos arroz de polvo; já não me lembrava que quando na ementa havia arroz de polvo ela estava sempre particularmente bonita. Cheguei a dizer-lhe um dia que ela tinha uma beleza de cardápio. Corou e pôs-me a língua de fora. Um bocadinho só. Nessa noite nem dormi. Na escala de um a cinco das coisas que me deixam maluco a língua de fora é nível dois e a sopradela de franja com franzidela de nariz é nível três.
É bom saber que voltaste a ter fome. É saudável. Torna-te humano. R. Chama-se assim a que trouxeste hoje? São tantas, diferentes... sinto-as como cunhas fracturantes na intimidade que criei contigo neste cenário. Em que me quereria apenas contigo, vê só a loucura a que se chega quando se funciona no esquema restrito das nossas expectativas mais delirantes. Chama-lhe 'ciúme', se quiseres, chama-lhe 'ferida'. Narcísica, pois claro, há quem diga que é isso o ciúme, o resultado da perda da ilusão de uma união sem fissuras. Como se um cordão umbilical cortado por mãos estranhas, com a incerteza e a insegurança que o desconhecido traz. O arroz de polvo estava óptimo, malandrinho e salpicado de salsa fresca, o polvo "do nosso", apanhado na pedra batida a ondas selvagens do Oeste. Para a próxima olha o cardápio com mais atenção: o arroz de cabidela rima com 'franzidela' e é de nível cinco. Pede papos de anjo à sobremesa. E bom proveito.
L.
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