Almoços Grátis. série 2 [16]

Hoje foi dia de canal odissea. Todos observavam todos, aquele restaurante parecia um ninho de espiões. L. encaixa plenamente no seu papel de agente dupla, dando informações a todos os lados, desde molhos picantes a nomes de primas de ministros. Inesperadamente sentia-me bem, sentia-me do lado dos bons, daqueles que apenas defendem as causas nobres: um amor, uma cabana e uns pastelinhos de bacalhau. Não havia prato do dia, julgo que L. decide assim quando prevê que vai ter clientes com interesses muito parecidos e que se conhecem uns aos outros; todas as mulheres que valem a pena gostam de brilhar. A certa altura comecei a sentir-me a mais, é um sentimento que conheço bem, posso mesmo dizer que me é familiar, aliás, se há dom que tenho é o de passar despercebido. Ela sente-se à vontade quando o radar lhe revela que eu estou num daqueles dias em que faço de conta que não existo. Há cinco níveis na transparência, sentir-se dispensável é nível três, sentir-se irrelevante é nível quatro.

Vieste sem o harém, logo hoje? seria uma oportunidade excelente para a cascavel dentro de mim te proporcionar umas boas gargalhadas, acredita, lombos de peixe-porco em tomate, escolhi por ti para ti uma receita da Justa, tenros, suculentos, bróculos e cenouras miúdas como acompanhamento, os desenhos que os meus dedos traçavam no teu peito, ao sabor de um desenho antigo de Pollock, puseste aquele arzinho etéreo e blasé que tanto me diverte, como se não soubesses, com o arroz doce, a certeza.

L.

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