Almoços Grátis. série 2 [17]

Quando entrei no restaurante ia a pensar: será que já lhe pedi alguma coisa que ela não me desse? O que vale a primeira negação? Quando destrói uma recusa? O que distingue o desinteresse do desprezo?  O prato do dia um bacalhau assado, que eu não posso dizer que goste, e suporto com alguma benevolência. Ela estava à espera que eu o escolhesse, mas eu disse que não queria. Mais, acrescentei, quase insolentemente, hoje não há aqui nada que me apeteça especialmente. Ela fez cara de 'há mais restaurantes na zona', mas inesperadamente conteve-se e respondeu-me, não sem a agressividade típica de um certo formalismo: se quiser peço à cozinha para lhe fazerem um bife. Senti-me num jogo. E senti-me mais bem preparado que há dois anos atrás. Disse que um bife me parecia bem, mas não precisava de ser do lombo. - Podem guardar o lombo para os clientes mais exigentes. -Tu és o cliente mais esquisito. - Define-me o teu esquisito. Já havia muitas mesas em estado de emergência. Mas quem fazia ti-no-ni por dentro era eu. O bife veio muito mal passado. Quando andamos a pisar o risco o pior que pode acontecer é o risco mover-se. Quanto batemos o pé o pior que pode acontecer é o chão fugir. Quando queremos fugir à pressa o pior que pode acontecer é não distinguirmos o trás da frente. A fuga a quente é apenas uma presença mal passada.

"Cara fechada, frente de batalha", pensei quando te vi entrar sem cumprimentar. Confirmou-se. Lembrei-me de uma frase lida num pequeno e curioso livro de que já muito ouvira falar, "A arte da guerra", comprado durante a escala num aeroporto qualquer do hemisfério sul. Vejamos, qualquer operação militar tem na dissimulação a sua qualidade básica: "Oh Doutor, por quem é! Se quiser peço à cozinha para lhe fazerem um bifinho." Há poucas coisas mais difíceis do que obter uma posição favorável frente ao inimigo: "O senhor é o cliente mais esquisito." Recorreste à opção de manter o inimigo sob tensão e cansá-lo: "Define-me o teu esquisito." Preferi a habilidade maior, dominar o inimigo sem o combater. Risco por risco pedi à cozinha um bife em sangue, utilizando um caminho que, para ti, seria inesperado. Afinal, como dizia aquele poeta inglês muito famoso, a melhor maneira de prever o futuro é inventá-lo.

L.

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