Hoje estava cheio de fome quando lá cheguei. É a coisa mais tenebrosa que me pode acontece quando lá estou. Ela sente-o logo, como uma lavadeira descobre uma nódoa, e tudo em L. se torna dever e responsabilidade, os grandes inimigos da ternura. Aquele restaurante é a minha trincheira, não é o meu berço. Respondi como um rolamento numa linha de montagem, comi, sem sequer resmungar alternativas, como um príncipe albanês nas mãos duma ama suiça, um bife saído da passerelle dum matadouro dos alpes. Espero ter terminado com umas faces rosadas, espero que os meus olhos tenham brilhado de fastio. Espero que o meu estômago tenha podido corresponder às expectativas de L. Espero que vendam bandas gástricas na tabacaria. Hoje que me senti tubo de escoamento tive saudades do tempo em que pensava ser verbo de encher. Mais um dia de fome e a paixão morre como o peixe.
Por mais voltas que dê ao Sol não conseguirei compreender essa tua cabeça espiralada que ora quer o que não quer ora não quer o que quer. A minha experiência de vida ao serviço dos homens ensinou-me uma caterva de inutilidades quando se trata de ti. Queres comer, dou-te de comer, empenhada e profissional. É para isso que me pagam aqui, não sou uma gueixa, sou uma empregada de mesa, inculta mas com os meus pergaminhos. Quisesses-me tu como 'escort' e poderias contratar-me, 'after hours.' Saciar-te-ia de ternura a troco de beijos, ficava-te barata afinal se o sugerisses. Poderia ler poesia francesa, resumir os episódios das telenovelas e mostrar alguns heróis das séries da FOX e do AXN. Cantar o fado. Cozinhar. Num negócio entre iguais, fora de portas, partilhar pequenos prazeres. Aqui apenas me obrigo a. Como se um peixe agarrado ao anzol. Asfixiando a paixão, de olhos bem abertos.
L.
Sem comentários:
Enviar um comentário