Hoje ela estava com um olhar reprovador. Fez-me aquele sinal de mão que pode significar desde o olá, até ao espera, passando pelo hoje não dá, ou, nos piores dias, deixa-me em paz. Venha o diabo e decifre. Limitei-me a pedir uma salada de salmão fumado; um dos meus menus de refúgio, que permitem uma espécie de degustação em piloto-automático, sabores intensos mas familiares, que não exigem concentração e dão uma satisfação previsível. Sonho com o dia em que também possa estar com a L. assim, em piloto automático. Hoje mal a vi. Descobri, à força de poesia, que é possível a ausência terminar sem que a presença regresse. Felizmente estou preparado para as ausências. Inclusive para o abandono. Numa escala de um a cinco ausência vale dois, abandono três e desprezo quatro.
Anda tudo louco no restaurante desde que a cozinheira principal fugiu com o motorista de longo curso. Vou ver o mundo, disse ela antes de nos pôr a ver navios a todos. A pobre que a substituiu ainda está para saber o que lhe ensinaram no 'curso' que a Câmara lhe ofereceu a troco de um subsídio mensal. Duvido até que ela saiba que curso tirou mas apareceu com um diploma de cozinheira. Nada mais, nada menos. Tenho a paciência a bordejar o limite inferior, venham-me com o que quiserem mas poupem nos 'rodriguinhos', não há pachorra. Temos pena. Salada de salmão fumado? Delírios no menu, o patrão deu em fino. Não podia ser de frango, pois não? Salmão fumado, com uma pitada de ovas de lampreia, imagino... e com uns salpicos de aneto picado e umas lâminas de limão, certo? Muito bem, quem quiser que marche para a cozinha e aproveite para ensinar a cozinheira. Ah, queres salada de salmão? Porque é que não fui capaz de o prever, ou será que sim? Ou ta preparo ou preparo-me para uma crise de azia. Nas próximas semanas. Desde que voltes. Só isso. Vem. Queres que te escreva o resto, razões, dúvidas, pedidos, em morse de ovas de esturjão?
L.
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