Almoços Grátis. série 2 [12]

Restaurante apinhado. Logo hoje. Queria ter posto os sentimentos e os pensamentos em dia, consegui até safar-me a outro almoço. Um dos pratos recomendados era peixe-espada, concentrei-me para lhe pedir uma posta fechada. É uma mariquice mas resulta sempre. Excepto nos dias de enchente. Não sei se terei gaguejado as palavras posta fechada. Vamos lá ver se não preciso também dum terapeuta da fala. Especializado em ementas difíceis e comensais de pleura inflamada. Inesperadamente Lázaro ressuscitou outra vez: ela sentou-se na minha mesa e disse - és tão especial para mim. Acho que ainda estou à mesa, nem sei bem, oiço um zumbido esquisito, arde-me a garganta, lá ao fundo está uma luminosidade estranha. A palavra especial tem algum significado especial ou será apenas um simples derivado de espécie. Ela podia-se ter limitado a dar-me uma posta fechada. Numa escala de um a cinco especial vale três; único vale quatro.

Dia cheio, casa boa, patrão feliz, a tríada perfeita. Só te vi já à mesa, um certo ar febril (estarias doente?) e crispado (seria o esófago?) que te assenta bem, passe a ironia, confere-te uma aura de espiritualidade distante. Do que disseste, entredentes, não entendi senão 'espada' (seria rainha de espadas? assenta-me bem mas contigo prefiro ser a de copas). À copa pedi uma posta fechada, um pequeno mimo que te ofereci como se mo tivesses pedido por telepatia. Quando ta entreguei sussurraste uma expressão ininteligível, debrucei-me para te escutar melhor (o restaurante cheio é óptimo para enviesar a comunicação) e respondi-te "Não é tão banal assim, pode ser com molho de alcaparras?". Afinal falavas do molho de manteiga, continuavas febril, ofereci-me para te arranjar um ben-u-ron e recomendei que fosses para casa descansar. Sempre me fez espécie que as pessoas insistam em ir além dos limites que o corpo lhes impõe, ainda te disse com o troco.

L.

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