Almoços Grátis. série 2 [11]

Na zona da entrada tocava uma música suave. Quem escolheria? Será ela? Parece que já não me chegavam as dúvidas que tinha. Jurei que não lhe ia perguntar. Uma pergunta é muito mais perigosa do que uma resposta; mas uma não pergunta pode ser mil vezes pior que uma pergunta. Foi com ela que descobri o que era o estado de indecisão. E de alerta. E de arrependimento. Acho que antes de a conhecer o único sentimento que tinha era o de aflição para mijar. Nestes dois anos sem a ver só sentia falta dela aos sábados à tarde. Nunca percebi porquê, mas era quase automático, fizesse sol ou chuva. Hoje comi umas costeletas de borrego que são uma especialidade lá do restaurante, quando têm escolho sempre, e sempre pela mesma razão: penso que ela gosta que eu escolha aquilo. Como sempre ter-me-ia bastado uma sopa e um arroz doce. Melhor, ter-me-ia bastado que ela olhasse para mim; comer com os olhos, as grandes frases já foram inventadas. À saída tocavam os acordes iniciais de Will You Still Be Mine, do Sonny Rollins. Se havia mensagem não percebi. Se calhar é apenas o que toca quando há costeletas de borrego. Dois anos dão para relativizar muita coisa. Relativizar significa contentarmo-nos com as explicações que acompanham bem apenas com batata frita.

Local Hero, Mark Knopfler em tua honra. Música d'elevador, será que acedes à provocação? Provavelmente reconhecerás, afinal ambos sabemos que não era a resposta o que realmente importava. A pergunta, essa sim, deveria ser a certa. E apenas essa, decidida ainda que silenciosa. Determinada e determinante. Como se o cão de uma pistola puxado atrás e a menos de um milímetro do impacto. E, no entanto, a séculos do disparo. Um calafrio com que também vivo em cada vez que outro corpo, que não o teu, me habita provisoriamente o corpo. Detesto que peças costeletas de borrego, o pior é o cheiro. Acho que as escolhes para me contrariar, uma provocação gratuita com que me brindas como se me oferecesses um ramo fragrante de muguet. Ou de odoríferos nardos. Nesses dias, se pudesse, punha-te na frente um prato de sopa de peixe e um leite creme queimado. Só. E depois sentava-me no teu colo a partir, devagarinho, a crosta estaladiça e brilhante do açúcar queimado. Continuas a perguntar-te, jazzísticamente, se 'será apenas uma memória do passado', tecedor de sonhos? Ou pensas oferecer-me um tear para criar mantas de farrapos de desculpas eternas enquanto durarem? Por mim troco a subsidência da relativização pela elevação do perdão.


L.

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