Com o passar do tempo, o diário de FMI vai perdendo alguma colagem com a realidade mais próxima e imediata e vai derivando para um encharneiramento duvidoso com a linguagem que nuns tempos se chama psicadélica, noutros pop, e noutros uma trampa.
23 de Julho de 2030
Não fora um calorzinho estival que me percorre a espinha e hoje teria sucumbido ao gelo que a nosso atol financeiro não consegue fissurar quanto mais derreter. Infelizmente, desde a Reforma-do-paleio de 2025, as expressões que envolvam 'buraco' desapareceram da nossa terminologia oficial ou oficiosa, pois agora apercebo-me que o buraco tem algo de tão eloquente como útil: podemos lá esconder-nos, descansar, guardar segredos, tesoiros, espernear, espermear, e se ele for bem cavado e desenhado inclusivamente esticar as costas, ou até simplesmente ser esquecidos, algo que é, como se sabe, a camuflagem dos pobres. A seguir ao almoço consegui esquivar-me ao lançamento pela Roche Finance dum novo medicamento milagroso: o 'Keynesten'; trata-se de uma pomada que a economia aplica na zona lombar e que serve simultaneamente para anestesiar e para dizer às inflamações que façam de conta que são alergias enquanto não se sabe bem o que fazer. Foi o Velasco Porfírio Vicente que lhes escreveu a bula, «aplicar em camadas finas/ rodando sempre sem parar/ ou então, abrir um buraco nas minas/ e depois, puxar, puxar, puxar». Mas não deu para ir, tinha-me comprometido com o conselho de ministros a ir comprar uns rodapés ao ikea: já que andamos sempre de gatas, ao menos que tenhamos uma desculpa decente. Sinto que estou no topo da minha missão, naquele distinto lugar em que para saber a posição do Sol me basta observar para que lado os pássaros cagam.
2 comentários:
Li há pouco tempo a "Toca" do Kafka. e gostei, mas isso foi antes de ler sobre o seu "buraco"...que põe qualquer toca a desabar.
bjs
tenho então de ler essa «toca» :)
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