O amigo de FMI, Velasco Porfírio Vicente, ia cimentando o seu prestígio e cada vez era mais falado para a nobelização. A nação tinha os olhos postos na sua métrica sui generis e FMI, à falta de buracos em minas de cobre, depositava nele grandes esperanças para trazer outra vez Portugal para a ribalta, depois de tantos anos na ribaixa.
26 de Abril de 2030
Já vi escrito há muitos anos, num comentário a Ovídeo, que o que distingue os deuses dos homens é que os primeiros escolhem as suas metamorfoses enquanto que os homens sofrem-nas. Dei-me hoje a pensar nisto por causa da última medida radical que tive de introduzir: dado que a cobrança do irs tem reduzido de forma drástica - 80% das pessoas trabalham hoje de forma graciosa, e apenas para passar o tempo entretidas - substitui este imposto por um outro que incide sobre os sinais exteriores de envelhecimento. Para poupar na papelada e no timbre manteve-se o nome IRS (ficou 'Imposto da Ruga Sintomática') e deixei bem claro o que ele visava: a sociedade de portuguesa precisa de ter bom aspecto para poder continuar a dar a entender ao resto do mundo que estamos aqui para as curvas e que cada português serve perfeitamente como garantia para qualquer empréstimo que o Estado venha a necessitar. Em cada português há um Egas Moniz. Temos de estar despreocupados, libertos de angústias, de pele esticada, e de faces rosadas a disparar hemoglobina por toda a rosa dos ventos. Quando olharem para qualquer um de nós como garantia dos empréstimos da nação, os nossos credores sentir-se-ão seguros e confiantes. A ruga dá-nos cabo do rating.
Fui almoçar com aquele sentimento agradável duma tarefa cumprida, aquele espasmo quase metafísico de fazer o que deve ser feito. Como esta semana é par havia ovos mexidos na cantina do ministério e souberam-me bastante bem combinados com a salada de feijão verde que a L. me tinha preparado. Ainda reparti com o secretário de estado, que não via um legume desde aquele período que ficou conhecido como o do 'Referendo Saloio', no qual, em 2026, cada português passou a ter um talhão de horta na zona da Malveira.
O Velasco Porfírio Valente entregou-me hoje as provas do seu novo livro de poemas: 'Um túnel ao fundo da luz'. Trata-se de um trabalho minucioso, baseado nas últimas descobertas sobre a influência do soneto camoneano no efeito multiplicador do consumo de sementes de oleaginosas e, estou esperançado, vai abrir os olhos ao membros do comité do Nobel. Felizmente que mandei guardar um talhão com eucaliptos na Arruda dos Vinhos para que não falte o papel no dia da impressão.
Sem comentários:
Enviar um comentário