Os Diários Secretos de Facundo Macário Induvial [7]

Depois das grandes vagas de indiferença religiosa do início do século, uma campanha inovadora do patriarcado iniciada em 2021 junto dos barbeiros e cabeleireiras, com o título arrojado e controverso : 'Não à calvinice', fez recuperar o empenho geral em aprofundar a fé, baseados no lema de então: 'estamos carecas de saber que Deus é amor'


13 de Maio de 2029


Hoje acabei de ler o livro 'Para que serve Nossa Senhora'. Trata-se do último tratado de filosofia política de Minerva Damásia, uma psicolitóloga que se tornou famosa em meados desta década pelos seus estudos em torno da consciência colectiva, dos remorsos de classe e do aproveitamento dos miúdos de frango. Defende agora Damásia que o culto em torno de Nossa Senhora de Fátima, que obteve um impulso fulgurante depois do referendo de Novembro de 2025 em que foi decidido pendurar um terço em cada caixa multibanco, acabou por ser determinante para a construção do novo desígnio nacional baseado nesta ideia revolucionária: em cada casa uma azinheira. O livro, escrito num ritmo que o faz parecer um misto de romance de cavalaria com folheto do Media-markt, faz apelo à sensibilidade mais fina do leitor e teve o mérito de nos recordar que, até hoje, as aparições de Fátima foram a maior obra científica do povo português, apenas aproximada pela via verde, os telemóveis pré-pagos e as receitas da maria de lurdes modesto.
Durante a tarde voltaram-me as enxaquecas, mas como a Associação Nacional de Ervanárias celebrava hoje o seu 10º aniversário aproveitei uma promoção para renovar o stock de lúcia-lima com que me dou muito bem. Aliviei por volta das 5 da tarde e ainda fui a tempo de apanhar uma matiné com a ante-estreia do ultimo filme do Gabriel Guelrinhas. Trata-se duma adaptação em fusão - para poupança de recursos - da tomada de Lisboa aos mouros com a guerra de Tróia, na qual o Martim Moniz em vez de ficar entalado numa porta se disfarça dentro dum galo de Barcelos feito com a madeira dum corrimão da embaixada da Grécia. Desanuviei um pouco e ainda deu para dois dedos de conversa com o Guelrinhas, um tipo curioso que começou a carreira a filmar ciclos menstruais para projectar nas aulas das pro-graduações de fecundação in situ.
Depois do jantar ainda falei com o Velasco Porfirio Vicente ao telefone, estava cabisbaixo, havia mais de duas horas que não encontrava uma rima decente para o seu trabalho em redondilhas sobre a flutuação das taxas de câmbio. Também não o pude ajudar porque estou com um ardor na vesícula desde que comi um nogat que a L. me tinha comprado numa feira de petiscos que agora há todas as quartas nos Jerónimos desde que o alugámos à Nestlé.

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