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Miriam era uma astróloga-cartomante especializada em Capricórnios. A especialização em determinados signos era uma tendência recente no mundo da astrologia e das cartomancias avulsas, tendo começado por ser, logicamente, olhada com bastante desconfiança, tanto mais que, para além disso, não parecia ser uma opção sensata ao reduzir dessa forma o espectro da clientela. No entanto Miriam apostava numa estratégia: toda a gente que se preze, e mesmo não preze, tem um problema real (fora os imaginados) e específico (fora os gerais) com um Capricórnio. Chegou a pensar também no caso dos Caranguejos, mas verificou que os exemplares deste signo, em muitos casos, são apenas incompreendidos e bastaria um pouco de paciência e finca-pé para se levarem as questões a bom porto, não sendo necessário entrar por vias que impliquem mais despesa com tal desígnio horoscopolar.
Mas o caso dos Capricórnios era bem diferente, tanto mais que não poucas vezes assumiam uma combinação explosiva: teimosos (que nem uns Capricórnios) e instáveis. As primeiras consultas foram destinadas a puros casos de sobrevivência: como resistir à convivência com Capricórnios sem que nenhuma das partes fosse levada a testar a lei da gravidade acima dum 4º andar. O seu prestígio ficou definitivamente cimentado quando apenas com duas tiradas de cartas conseguiu juntar dois Capricórnios numa mesa de snooker e eles acabaram a petiscar umas navalheiras com cerveja de trigo preta. Inaugurou inclusive a técnica dos case-study cartomâncios, tendo este ficado conhecido, dalguma forma previsivelmente, como o ‘caso da dama de copas, do snooker e das navalheiras’. Miriam tinha então, por essa altura, descoberto que os Capricórnios encontravam o seu ponto ideal de entendimento quando do baralho se sacavam consecutivamente duas damas de copas. Depois de algumas experiências falhadas (três divórcios, duas crises de nervos e um escamamento de pele) com valetes de espadas, a dama de copas revelou-se inequivocamente certeira no turbulento domínio dos Capricórnios; aparentemente lá perto só tinha chegado com uma sequência de biscas d’ouros, mas que se descobriu, por mero acaso, ser apenas eficaz a 100% entre peixes e leões, e em semanas ímpares de quarto crescente, tendo Miriam acabado por praticamente oferecer as respectivas royalties a uma colega cartomante de Beja especializada nesta combinação de signos e que já não comia uma refeição decente desde o natal de 83. No entanto, inesperadamente, Miriam começou a ser temida dentro da confraria dos capricórnios por, dalguma forma, lhes esbater a fama e reduzir o efeito aterrador que já se acostumavam a criar e manter à sua volta.
Num certo dia de lua cheia, uma capricórnia bem pura, de seu nome Elvira, convenceu um peixinho ingénuo, de seu nome Rogério, a fazerem uma sessão de cartomancia recreativa com Miriam, a fim de estabelecerem uma agenda de encontros no âmbito da alimentação e bebidas, mas sem descurar, copulativa e concomitantemente, o departamento mais hormonal. Depois de lançadas as cartas, Miriam aconselhou-lhes as quartas-feiras de quarto minguante em meses pares, desde que Júpiter não estivesse a fazer cavalinho com Vénus. Tal iria acontecer no verão de 2058, e até lá a dupla Elvira e Ricardo deveria abster-se de consumir álcool em conjunto e os contactos físicos deveriam limitar-se às zonas anatomicamente temperadas, jamais aventurarem-se pelas zonas tropicais, sob pena de esgotarem o plafond da Médis. Uma tamanha receita de abstinência foi fatal para a fama de Miriam, que rapidamente ficou conotada com uma seita de castradores da Birmânia, e viu a clientela reduzir-se a um casal de lésbicas frígidas, nascidas na noite de natal, e que nunca tinham superado o trauma infantil de verem esfumar-se anualmente uma sessão de presentes, pelo capricho do calendário, ou do Zodíaco, ou das fases da lua, ou o caralho.
Miriam acabou por perceber desta forma que os capricórnios, ao contrário de tudo o que levava a crer, não permitiam estabelecer-se um plano de negócios estável para a cartomancia, e acabou por dedicar-se aos aquários, que vêm logo a seguir, e que, já se sabe, filtraram criteriosamente a teimosia e fazem-na parecer-se a uma sofisticada mistura de convicção e bom senso.

2 comentários:

Xador disse...

Interessava-me particularmente que a saga zodíaca progredisse para a Fase II: Os Aquarianos. E será que vai progredir? Era uma pena se assim não acontecesse ...

aj disse...

progrediu...