A falsificação que marcou definitivamente a minha dedicação exclusiva a esta actividade, foi a de um quadro de Turner. Já tinha tentado um impressionismo mais duro, ou maduro, mas fui confrontado com a desconfiança da directora dum museu em Antuérpia, que mesmo sendo apenas especialista em coxas de Rubens, torceu o nariz a um Monet vegetariano que eu tinha pintado depois dum almoço de petinga frita. Turner não é um falsificante fácil, mesmo que tal possa parecer à primeira vista. Segundo vim a apurar, o sentido e o vigor das suas pinceladas estava directamente condicionado pelo que ingerira no jantar imediatamente anterior. Passei assim duas semanas seguidas a comer uma mistela de cebola e batata-doce até sentir que já estava preparado para pintar uma maré-cheia na Cornualha. Saiu-me bastante bem, tanto em colorido como em ortodoxia de pincel, nenhuma cor parecia trair o espírito do mestre, de tal forma que depois de terminada a obra cheguei a hesitar em assinar o meu nome. O que geralmente destrói a carreira dum bom falsificador é a tentação de se tornar original e genuíno. Afastada a tentação, concentrei os meus esforços na sua venda a um antiquário estabelecido em pleno West Yorkshire, especializado em espelhos estilo Regency, e que ficou deslumbrado com a possibilidade de diversificação que eu lhe oferecia. Era aquilo a que se costuma chamar um comprador motivado, e que inclusivamente se deleitou com a história que lhe contei sobre a forma como o quadro tinha chegado às minhas mãos: um tio avô estalajadeiro que, um dia, de forma desinteressada, tinha acolhido graciosamente o pintor quando este, a caminho de Veneza, acabara de perder a carruagem das 7. E o que ele se riu com o pormenor da carruagem das 7! Mas, regra básica: o que põe um ser humano normal em estado de total incredulidade, serve para transformar um antiquário inglês numa sopeira com cio. Pagou-me com um banho de metal esterlino que me alimentou uma estadia poligâmica em Edimburgo, em que apenas tive tempo para escrever um poema inédito de Blake no intervalo das mudas de roupa. A regra dum falsificador em início de carreira é nunca repetir nem uma mulher, nem uma camisa.
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