Pouco mais de meia casa. Quase só clientes ocasionais. Filetes de garoupa fresca como prato do dia. L. vestia uma saia larga e uma blusa justa, tudo em tons de azul marinho. A luz que entrava pelas enormes janelas punha-lhe os cabelos acobreados. Eu nem tocava no chão, era só matéria do pescoço para cima. Dizia que sim a tudo; não podia correr o risco de estragar alguma coisa daquele quadro de renascença tardia com um não despropositado. A certa altura chamei L. com um aceno digno da Sagração da Primavera. Tive sete segundos para inventar o que lhe queria dizer. Ela riu-se, uma, duas, três vezes. Agarrou os cabelos a simular o rabo-de-cavalo. Falou-me das notícias que passavam na televisão da sala ao lado. Não posso jurar que eu não tenha feito uma pose exagerada de ouvinte interessado. Já desciam querubins pela chaminé da lareira quando a mesa ao lado nos interrompe e pede uma torta de laranja. Fixei-lhes as caras; hesitei em sufocá-los ali mesmo, ou ir, com mais calma, comprar uma arma. Depois pensei em como eliminar todas as laranjeiras da terra, arrancando-as uma a uma pela raiz. Arrastei-me na sobremesa e no café. Tentei-me até a pedir um conhaque mas nem sabia as marcas, tive medo do ridículo. Hoje era claramente um dia em que não podia ser eu a cometer erros. Há dias em que tudo se pode jogar. Fui treinado para não desperdiçar momentos. Porque será que temos de desperdiçar tanto para aproveitar tão pouco?
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2 comentários:
Deus Nosso Senhor tenha piedade de si e faça um milagre. é que isto já passou as estações da via-sacra...tchhh
eu cá, por causa das coisas, só almoço sandes! eheh
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