Num dia de enchente o F. e a C. foram almoçar comigo. São casados e sócios. Ele um poço de bom senso, ela um vulcão em actividade. Teve um fraco por mim quando era mais nova. E eu, se calhar, um fraco por ela. Mas tanta fraqueza fez-se força e soubemos ir cada um à sua vida sem ter desperdiçado porcelana. Ainda hoje ela me controla como se fosse a guardiã dum dote. De vez em quando também vão ao restaurante, mas nunca tínhamos ido os três. O meu receio era que ela se apercebesse dalguma coisa. Iria perceber de certeza, eu tinha de estar preparado para isso. Mas a perspicácia feminina tem sempre uma brecha; no caso dela era adorar uma boa distracção. E eu distraía-a com facilidade, mas não deixava de ser um almoço de risco. L. estava demasiado ocupada para o cruzamento de olhares dar um filme francês. Mas olhá-la era sempre uma missão. Solitária. No pain, no fear. Uns dias guerreiro, noutros cordeiro. «Aquela rapariga olha muito para ti, não olha?», «Deve pensar que eu entro nalguma telenovela». Tínhamos comido todos arroz à valenciana. Mais um frete que eu fiz à ementa. L. serviu-nos depois a sobremesa com um ar terno. Não arranjei explicação para tanta ternura em torno dum molotof. «Tens aqui quota?», «Se calhar então sou é parecido com algum tipo da asae». Nuns dias aquele restaurante é um palco, noutros uma caverna; nuns dias Sófocles, noutros, Platão. Nuns dias projectamos, noutros somos projectados. Será que à volta da luz se pode explicar tudo?
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